A meu ver, os múltiplos problemas que o Plano de Fomento engloba estão já magistralmente escalpelizados nos seus aspectos técnicos, quer pelo douto relatório final, quer pelo notável estudo da Câmara Corporativa.

Esta, a quem competia dar parecer sobre o Plano em discussão, fê-lo por forma tão indiscutivelmente superior que suponho ser muito difícel dizer melhor e reputo supérfluo dizer mais.

Mas, e salvo o devido respeito, nào me parece ser idêntica a função desta Assembleia.

A este organismo é pedida tão-sòmente a aprovação da proposta, de lei n.º 8, e não se lhe podia pedir mais nada.

Porque, enquanto a Câmara Corporativa, organizada em secções especializadas, está organicamente constituída por forma a pronunciar-se tecnicamente (passe a expressão) sobre os problemas que lhe são sujeitos, a Assembleia Nacional não tem organização discriminada por especialidades, precisamente porque lhe cabe pronunciar-se sobre o aspecto político ou, melhor dizendo, sobre o aspecto social e humano dos mesmos problemas.

Por outras palavras: enquanto à Câmara Corporativa cabe essencialmente analisar os problemas nos seus aspectos intrínsecos, à Assembleia, cumpre apreciá-los preferentemente na sua projecção externa.

E, desde que assim o entendo, será este o ponto de vista que orientará as minhas considerações.

A primeira, impressão que se colhe da leitura do Plano de Fomento é a de que foi elaborado sob o signo do optimismo.

Prevê disponibilidades financeiras tais e lança-se em projectos tão audaciosos e alguns de tão discutível rendimento que quase nos faz esquecer que somos um país pobre e que não podemos colmatar em meia dúzia de anos o vazio económico de um passado ainda não remoto.

Poderia objectar-se que uma coisa é planear e a outra, muito diferente, é realizar; mas bom será não subestimar o efeito pernicioso da decepção que resulta de promessas não cumpridas. A pobre não prometas ...

De uma falta, a meu ver crave, , luta desde sempre com uma exiguidade orçamental que choca quem a compara com as verbas lautamente atribuídas a outras actividades relevantes.

E desta sorte, por carência de meios materiais, se impede que a justiça portuguesa sofra a remodelação profunda que a sua organização anacrónica clamorosamente impõe.

Considera-se, por exemplo, a magistratura do Ministério Público como altamente relevante adentro da vida actual; e certamente o é, dada a ingerência cada vez maior do Estado na vida pública e o nosso novo sistema penal.

Pois continua esta magistratura a ser um mero corredor, apertado e sombrio, a percorrer apressadamente polo jovem bacharel que aspira à magistratura judicial, e onde não há possibilidades de se deter aquele que quisesse ser somente representante do Ministério Público.

E assim, esta magistratura, considerada essencial, é exercida de passagem por magistrados transeuntes.

Por outro lado, os tribunais portugueses vivem esmagados sob uma avalancha de processos. Dai o atraso inevitável - os juizes são homens e não podem, nem devem, tornar-se em máquinas - e a lufa-lufa dos serviços, que se repercute perniciosamente nas decisões, que, para serem justas, carecem de madura ponderação.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Exa. não considera com certeza como único mal a falta de magistrados. Deve talvez considerar, por outro lado, que o mal se não domina só com o aumento de magistrados, mas com outras medidas tendentes a criar um clima dentro do qual haja menos litígios.

O Orador: - Isso é pôr o problema fora dos limites estritos da justiça.

O Sr. Carlos Moreira: - Está dentro das razões que V. Exa. tem estado a enunciar.

O Orador: - Salvo o devido respeito, parece-me que o excesso de litígios não pode ser resolvido por via da justiça.

O Sr. Carlos Moreira: - Nem eu disse isso. Disse apenas que V. Ex.ª estava a considerar o problema por um dos seus aspectos. Por isso afirmei que seria preciso considerar o problema sob outros aspectos tão ou mais relevantes que o do aumento de magistrados.

O Orador: - Continuo a entender que as medidas necessárias para evitar os litígios transcendem o limite do Ministério da Justiça.

O Sr. Carlos Moreira: - Mas evidentemente, o que não impede que as medidas sejam tomadas pelos departamentos a que competirem ...

O Orador: - Designadamente os da educação ...

Com os nossos tribunais dá-se este caso curioso: enquanto tudo se expande, tudo aumenta, tudo se desenvolve, até pela força das circunstâncias, os tribunais diminuíram, escasseia o número dos juizes, extinguiram-se comarcas e baixaram-se de categoria outras, dispensou-se o pessoal e reduziram-se os seus quadros!

Daí a acumulação de serviço e a reconhecida deficiência dele, porque a justiça não é coisa que se faça por empreitada.

Não podemos deixar de estranhar que o Plano de Fomento Nacional ignore inteiramente estes problemas da educação (porque não é bastante o considerar-se a investigação científica e o ensino técnico) e da justiça.

A sua exclusão do Plano de Fomento traduz, a meu ver, uma minimização que choca quem entende que a vida tem valores que excedem o metálico.