sabem que mesmo os problemas de índole económica podem ser encarados sob a pressão dos factores sociais e humanos em cujo quadro vivem ou destacados das realidades vivas e considerados por forma desalmada.

Ora, para nós temos que, se o factor social e humano estivesse bem na frente do Plano de Fomento, se ao equacionarem-se os problemas económicos se tivesse bem presente que «o homem é a medida de todas as coisas humanas», se se não esquecesse que um plano de fomento nào é um tratado de economia pura, mas um programa político-social, que em determinado momento se destina a determinadas necessidades de um povo, talvez as soluções preconizadas variassem sensivelmente.

E isto porque entre os múltiplos problemas que carecem de solução alguns há que, a nosso ver, deveriam ter sido colocados na primeira linha das realizações.

Estão neste caso os problemas tendentes a dar às nossas populações rurais (quase metade da nossa população), em matéria de comunicações, de abastecimento de água potável, de assistência médica, de electrificação e de condições de vida, aquele mínimo que é indispensável à- vida humana encarada na sua dignidade cristã.

Reputamos estas obras de projecção vital e, por isso, infinitamente mais prementes e efectivamente mais rendosas que outras dispendiosíssimas obras previstas, que não têm a urgência social, nem mesmo a rentabilidade económica daquelas; se umas são úteis, as outras são vitais.

Pela mesma ordem de ideias se deveria dar primazia aos problemas tendentes a pôr eficaz travão ao momentoso problema do urbanismo excessivo e depauperador, que atrai os rurais para a cidade e aí os abandona, desenraizados e consequentemente sujeitos a serem arrastados pelo mais ligeiro vento de insânia.

Constitui hoje axioma o perigo e o desequilíbrio social que representa a demasiada concentração populacional nos grandes centros urbanos.

Ninguém ignora a fascinação natural que as cidades exercem sobre os rurais; atraem-nos como a luz as borboletas e, em regra, com as mesmas consequências desastrosas.

Isto numa face do problema, porque, pela outra, conduz à rarefacção das populações rurais, de tal sorte que a falta de braços constitui já hoje para a lavoura o Norte um problema actual e angustiante.

Impunha-se, assim, por mais de uma razão ponderosíssima, que dos milhões de contos que se prevêem paia obras nos grandes centros urbanos se distraíssem os necessários para sanear a situação angustiosa da pequena lavoura, daquela lavoura que representa, afinal, metade de toda a população portuguesa - e até mais de metade, se nela incluirmos aqueles que, embora exercendo outras profissões, correm a enterrar na terra ai suas economias. Até aqui, a agricultura em Portugal era a arte de empobrecer alegremente; as condições que se antolham fazem perder até aquela alegria, que era a sua única compensação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Diga-se o que se disser, a agricultura representa a linha de força da economia portuguesa, porque constitui a grande massa consumidora e porque é a única actividade que mantém metade da população, sem beneficiar de altos patrocínios que o Governo dispensa às outras actividades.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não se veja nisto menosprezo por qualquer outra actividade económica, que todas são essenciais ao bem comum.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Entendemos, porém, que o verdadeiro progresso só se verifica na medida em que o desenvolvimento de determinada actividade não se processe com detrimento das outras.

Ora, é na planificação da agricultura portuguesa que os factores sociais e humanos têm que estar bem presentes na mente do planificador.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não se podem, em primeiro lugar, transpor pura Portugal os figurinos adoptados em países onde a agricultura é actividade secundária em face da enorme potência da indústria; podem eles dar-nos lições sobre o que se deve ou não deve fazer; mas não são de copiar servilmente os moldas que nos não servem.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Tem também que atender-se às condições climatéricas, hidrológicas e agrológicas, que cindiram tradicionalmente o País em duas zonas nitidamente diferenciadas: a da grande propriedade ao sul e a da pequena propriedade ao norte.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Cada uma delas tem a sua razão de ser histórica e social e corresponde por isso a uma realidade viva, em que se não pode bulir de ânimo leve.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Haja em vista a tão anunciada obra de irrigação, em que teoricamente se puseram tantas esperanças e que tem suscitado críticas tão objectivas, tão serenas e tão fundamentadas, que naturalmente imporão a prudência do Governo a realização de um inquérito rigoroso, desapaixonado e real, para se ver se se deve, prosseguir ou se se deve arrepiar caminho.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas como disto só sei por ouvir dizer, passemos ao que sei por o viver. E tenho vivido a agricultura a que se chama agora minimifundiária e a que eu chamo de utilidade pública e social, no sentido de que é aquela que confunde o pequeno proprietário