mente as suas condições económicas me deixara perplexo, essa perplexidade aumentou quando na sessão e 17 do corrente foi dado conhecimento do telegrama em que a Federação dos Grémios da Lavoura do Alto Alentejo, na qualidade de representante dos interesses da lavoura da região, dava o seu apoio às considerações aqui produzidas pelo Sr. Deputado Nunes Mexia.

Na verdade, como devem ter presente, este nosso colega não embamdeirou em arco perante as perspectivas que o plano de rega abria ao Alentejo; pelo contrário, armando em velho do Restelo - ele que tem o segredo da juventude de espírito -, disse-nos que «um melhoramento hidroagrícola é mais que a barragem, os canais e adaptação ao regadio, é um plano económico seriamente concebido e bem enquadrado dentro das necessidades do País»; que a como primeira condição para que uma obra de hidráulica agrícola se possa considerar completa e útil é necessário que o que vai produzir resolva problemas de carência, não traga problemas de saturação»; que «ao entusiasmo inicial das regiões pelas suas obras de rega se tem seguido um período de descrença, à maneira que se vão abrindo os olhos porá as dúvidas dos seus resultados»; que, finalmente, não sendo «só o seu regime jurídico que não está certo, é absolutamente necessário, para que resultem, que sejam completadas em toda a sua extensão».

Conclusão: o complemento da infra-estrutura merece-lhe preferência sobre as obras de hidráulica agrícola.

O apoio que a Federação dos Grémios da Lavoura do Alto Alentejo deu a estas considerações leva-nos a supor que -como disse Salazar, se «politicamente só existe o que se sabe que existe; «politicamente o que parece é» - a rega do Alentejo poderá vir a existir como activo nacional, mas jamais existirá nos espíritos como activo da situação política.

Os Alentejanos querem a rega, mas fazem-na depender de tais condições que até parece não a desejarem sem que essas condições se verifiquem.

O Sr. Carlos Moreira: - É que às vezes as coisas precipitadas não são as melhores...

O Orador: - Inteiramente de acordo quanto à observação de que as coisas precipitadas não são as melhores. E, mesmo correndo o risco de provocar uma nova interrupção do Sr. Deputado Carlos Moreira, não resisto à tentação de lhes contar um pequeno episódio político.

Proclamada a República, alguns monárquicos exilaram-se em Espanha, onde procuravam organizar um movimento destinado a restaurar o regime deposto em 1910. No desejo de receber do rei D. Manuel as necessárias instruções, uni dos exilados, o conde de Bertiandos, deslocou-se a Londres.

D. Manuel, que não era só rei, mas que era, igualmente, realista, ouviu-o com a maior atenção, não deixando, porém, de lançar água fria no entusiasmo restauracionista do conde. Este, uma vez regressado à Galiza, entendeu dar conta aos seus correligionários da forma como decorrera a audiência, sintetizando nestas palavras o pensamento do Sr. D. Manuel: Sua Majestade quer a restauração da monarquia como nós queremos ir para o céu - o mais tarde possível.

O Sr. Carlos Moreira: - Opiniões, Sr. Deputado Trigo de Negreiros. V. Ex.ª decerto também tem a sua ...

água. Não é essa a sua vocação. Falta-lhes a arte de a explorar, conduzir e utilizar, tão comum no homem do Norte e em que o Madeirense é exímio.

Têm, em compensação, a vocação da terra: ilimitada, sem fim, a perder de vista, terra que a semente fecunda.

No Outono, quando das árvores caem as primeiras folhas e n melancolia das coisas só insinua nas almas, é vê-los a fadigados a lançar a semente à terra. A semente germina, lança raízes, resiste aos frios do Inverno. Pela Primavera é já haste alta, que a mais ligeira aragem agita e a tempestade derruba. Ao anunciar-se o Estio o verde desmaia, toma a cor característica da palha; as espigas entumecem. Cortadas debaixo de um sol abrasador, conduzidas para a eira e ali debulhadas, transformam-se em trigo: ouro na balança de pagamentos, riqueza no celeiro, fartura na arca, sacrifício na hóstia do altar.

E como o homem não vive só de pão, mas sem pão não pode viver, é-me grato saudar a terra alentejana, a planície heróica que, no decurso dos séculos, tem assegurado o pão de Portugal.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: no que conheço da poesia, da pintura alentejana e das suas lendas, a água, ao contrário do que acontece no Norte do País, não entra nelas como elemento constante.

Os Alentejanos ainda se não habituaram a louvar o Senhor pela «irmã água que se arrasta útil, humilde, preciosa e casta», nem tão-pouco se doutoraram na ciência de a explorar e conduzir, e, contudo, a água, condição de vida, é manancial na horta e no vergel, verdura no prado, raiz na floresta, fruto na árvore, perfume na flor, força na turbina, energia na fábrica e higiene no corpo. Para bom a utilizar não basta construir barragens e canais, como referiu o ilustre colega Nunes Mexia. Não. É preciso que as terras sejam aptas para a receber e os utentes da água possuam o mínimo de conhecimentos sobre a prática racional do regadio.

O Sr. Carlos Moreira: - Disse há pouco, o julgo que com razão, não haver dúvida de que o discurso de V. Ex.ª é uma ode à terra e ao rincão natal. Verdade seja que, se a terra é diferente, diferente é o lirismo, ou, melhor direi, a expressão lírica.

Não tem o Alentejo os rios do Norte, mas tem a admirável paisagem da campina seca e escaldante, que tão bem traduzida aparece nas poesias do conde de Monsaraz, de António Sardinha e de tantos mais.

Mas, enfim. Sr. Deputado, deixemos o lirismo.

O Orador: - As palavras de V. Ex.ª confirmam as que acabo de proferir: os poetas alentejanos traduzem a campina seca e escaldante, mas não cantam, como os do Norte, a água.