O conhecido Bairro da Liberdade, com a sua agitada história, desde 1925, e os seus 30 000 habitantes actuais, é um exemplo das dificuldades geradas na anarquia da construção, com um cortejo de problemas de ordem administrativa, de segurança, de salubridade, de estética, etc.
Atrás da clandestinidade está sempre:
A inépcia dos serviços municipais, que não souberam oportunamente opor-se a essas anormalidades ;
A especulação de uns tantos particulares que, construindo barracas ou alugando por altos preços quartos e gaiolas nas águas furtadas, fazem fortuna na actividade de intermediários parasitas ou exploradores da miséria social;
A carência moral e material dos habitantes destes conjuntos, onde a vida, por vezes, se realiza em ambientes de segregação social.
E este, Sr. Presidente, um dos grandes problemas de Lisboa, como, aliás, das outras capitais do mundo.
As crises da agricultura, traduzidas em produções deficitárias, fruto das condições meteorológicas, da fraca rentabilidade das terras ingratas em concorrência com as terras férteis, ou até de orientações político- económicas pouco louváveis, tem, como já notei noutra oportunidade, estimulado o abandono do campo.
O nosso trabalho agrícola é duro, a remuneração parca, o subemprego habitual. O homem que Be dedica à terra sujeita-se a uma vida estacionária, misto de modéstia e de resignação, o que não está de acordo com certa mentalidade dos nossos tempos, sedenta de facilidades e riquezas, embora nem sempre à sombra da dignidade e do pudor.
Tudo parece atrair na cidade.
A sedução da sua grandeza, num conjunto de monumentalidade, riqueza e de vida social intensa, gera profundas repercussões psicológicas. O próprio trabalho traz a ilusão da ausência de carácter penoso e instável, reproduzindo-se na remuneração uma marca de aliciamento.
E as multidões das nossas aldeias, alimentadas por esta miragem, abandonam a terra que lhes foi berço, buscando a cidade redentora. E quando o sonho se desfaz nos bairros de lata, na prostituição, no desemprego, no alcoolismo e na tuberculose, ainda assim o homem se apega à grande sedução urbana, persiste em permanecer.
Várias vezes tenho perguntado a mim mesmo que inconvenientes adviriam para a vida normal de Lisboa se retirássemos da nossa capital alguns milhares dos seus actuais habitantes?
Trata-se, na maioria dos casos, de elementos de um sector terciário, integrado por classes improdutivas e que nas profissões mais louváveis vai desde o vendedor de pentes no negociante de estampas religiosas. O menor cuidado dispensado ao desenvolvimento de outras zonas do País, ou o facto de não se ter dado uma transferência mais numerosa de populações para o ultramar, tem contribuído para esta acumulação em Lisboa.
Encontramo-nos, assim, com o problema de que partimos: a planeamento regional de Lisboa tem o seu êxito condicionado, no plano nacional, ao que se fizer pelo resto do País.
Reconhecemos que é uma tarefa demorada, até pela sua magnitude, mas estamos cientes de que não pode deixar de ser encarada com urgência.
Trata-se, afinal, daquela mesma urgência que se exige para a eliminação de certos cartazes de Lisboa, como a Guerraleira ou o Casal Ventoso, onde a dignidade do homem falece e relativamente aos quais a consciência rio cada um de nós, sob pena de traição, não pode continuar indiferente.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão com a mesma ordem do dia da de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram, 18 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Antão Santos da Cunha.
António José Rodrigues Prata.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Aguedo de Oliveira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
João da Assunção da Cunha Valença.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
Joaquim Mendes do Amaral.
José António Ferreira Barbosa.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Mana Sarmento Rodrigues.
Manuel de Sousa Bosal Júnior.
Purxotoma Bamanata Quenin.
Proposta enviada para a Mesa no decorrer da sessão:
Proposta de emenda
Proponho que o n.º l da base i da proposta de lei n.º 14 passe à seguinte redacção:
Lisboa, 6 de Maio de 1959. - O Deputado, Rogério Peres Claro.