tado, o que tudo vai mostrando que se pode singrar no bom caminho dentro dos preceitos da Constituição que nos vem regendo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tendo-se conseguido tão apreciáveis resultados dentro das realidades concretas nos tão diferentes sectores da administração pública, e não sendo os erros existentes, e nesta Assembleia tantas vezes verberados, defeitos atribuíveis à lei constitucional, parecerá que se encontrou dentro da forma vigente a organização útil ao País. Esquece-se simplesmente que ela lhe não assegura a condição sine qua non da estabidade. E que esta falta de garantia é tão grave que, só por si, justificaria a revisão tendente a diminuir-lhe os inconvenientes. Independentemente, porém, dessa consideração primacial, quem não vê que para conseguir os benefícios obtidos houve que se ir buscar à doutrina monárquica o espírito necessário para fazer triunfar a demofilia sobre a democracia e criar a atmosfera possível ao trabalho realizado?

Nestas condições, e mantido na Constituição o aceitamento apriorístico do regime, bem compreensível se torna que o Governo sentisse que apenas exist e um óbice à continuidade da sua acção.

Em face da grandeza de tal óbice - avultado mais do que nunca no último período eleitoral pelos distúrbios de uma propaganda democraticamente excitante, em que se exibiram todos os vícios de uma retórica irresponsável, destinada a excitar e desorientar a ambição das multidões apaixonáveis, inscientes e irreflectidas -, o Governo mediu o perigo que resultava para o País daquela periodicidade de agitação, que as disposições eleitorais da actual Constituição garantem. Daí o procurar atenuar os seus inconvenientes.

Ora atenuar pode ser bom. Mas evitar seria bem melhor!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A dificuldade ou, antes, a impossibilidade, está em que tais defeitos são fatalmente inerentes a um regime que por princípio não pode garantir a continuidade e indiscutibilidade do poder do Chefe da Nação. E desde logo se verifica que o óbice se encontra precisamente na impossibilidade de conciliar perfeitamente uma Constituição Política ajustada aos interesses da República com uma Constituição Política ajustável aos interesses do Estado e da Nação.

Sr. Presidente: a obra política torna-se sempre difícil na medida em que a autoridade reflectida e responsável do Estado tem de se defrontar com a psicologia irreflectida, irresponsável e emocional das multidões.

Vozes: - Muito bem!

compõem.

Os pequenos ou grandes conflitos, que os interesses antagónicos provocam, envolvem o próprio Estado, que uns e outros pretendem submeter, pondo-o ao serviço das aspirações parciais, quer utilitárias, quer abstractamente ideológicas, dos seus grupos.

Ora semelhantes conflitos, ou a simples tensão social mais ou menos latente, agravam-se singularmente com a obediência, mais ou menos reverenciosa, aos mitos democráticos, à sombra dos quais se desenvolvem e tomam posições todos os agitados e todos os inadaptados. E ao afirmá-lo não me coloco no plano especulativo, mas no plano mais objectivo das realidades científicas.

Dou a palavra ao insuspeito republicano e acatado mestre psiquiatra Prof. Júlio de Matos, que num livro, não de política, mas de psiquiatria para ensino dos alunos da Faculdade, nos ensina - ao tratar da etiologia das doenças psiquiátricas - que o número dos inadaptados que são objecto daquelas clínicas cresce na medida em que as sociedades se democratizam, em virtude das cobiças, aspirações e sonhos gerados em muitos cérebros de estreita capacidade a que a democracia abre caminho.

(Risos).

Sr. Presidente e Srs. Deputados! Não tenho em vista estabelecer aprioristicamente nenhuma espécie de princípios. Não posso, porém, furtar-me a reconhecer um certo número de conclusões experimentais ou científicas e de as aceitar a posteriori. Também depois disto não posso deixar de orientar por elas o meu pensamento, livre de quaisquer preconceitos de um mal compreendido pragmatismo.

Já no período legislativo em que foi revista pela última vez a Constituição Política do Estado tivemos ocasião de dar o nosso aplauso ao modo de ver expresso pelo ilustre leader Dr. Mário de Figueiredo, cuja inteligência e superioridade de espírito tornam grato a cada um de nós o reconhecimento da subida admiração e estima que por ele unanimemente sentimos, e muito me apraz ter a oportunidade de afirmar.

Hoje, tal como então, fazemos nosso o seu parecer de que os Deputados que fazem parte desta Assembleia não estão aqui a representar quaisquer partidos políticos; não estão aqui nem como monárquicos, nem como republicanos.

É certo. Porém, a sua actuação como Deputados nem por isso deixa de ser eminentemente política, e como tal não pode deixar de ser orientada pela formação do próprio espírito, desde que a sua inteligência e a sua cultura encontraram em determinados princípios a expressão do que consideram o problema fundamental de toda a sociologia: o da organização política do Estado.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Muito bem!

O Orador: - Até mesmo porque, independentemente da sua função de Deputado, cada homem, porque se destina a viver em sociedade, é, por imperativo do destino, um animal de natureza social e política, para empregar exactamente a expressão aristotélica.

E não se pretenda, como de vez em quando vejo fazer, dissociar o político do social para explicar uma falta de posição nítida no xadrez da vida política. Pretender semelhante dissociação não é definir ideias: é pôr em relevo a falta delas na concepção orgânica do Estado.

O Sr. Carlos Moreira: - Muito bem!