Assim se estabeleceu uma fortíssima personalização do Poder, que, aliás, estava de acordo tanto com as tendências mais profundas da nossa gente, que se fia mais nos homens do que nos sistemas, como com o pendor dos tempos, que é um pouco por toda a parte no sentido do domínio das grandes personalidades e do crepúsculo das instituições.

Porque os homens não são eternos e os génios políticos não surgem senão de longe em longe, a prudência obriga a considerar a possibilidade de se vir a criar um vácuo político, para o qual as instituições não estão, evidentemente, preparadas. Daí o falar-se muito da necessidade urgente de uma institucionalização do regime.

A apreensão é fundada, mas não pode pôr-se com esta simplicidade.

A época que estamos a viver não se caracteriza só pela presença de um grande estadista no Poder, mas também, e sobretudo, por um estilo novo de governar. Ora os homens passam, mas as grandes experiências históricas que eles determinaram ficam a e xistir como valores permanentes, como formas a cuja realização os povos aspiram, independentemente de haver ou não quem possa pô-las em prática.

O método do Governo de Salazar -aquele estilo novo a que me referi- constitui uma grande experiência histórica e, o que é importante, uma experiência de resultados unanimemente considerados positivos.

O Sr. André Navarro: - Muito bem!

O Orador: - Digo unanimemente sem esquecer que o regime tem adversários e sem os excluir dessa unanimidade. Há, pelo menos, um ponto em que eles estão de acordo connosco: é que o Governo governa. E isto já representa que admitem que houve um ganho, porque o defeito da situação anterior ao 28 de Maio era precisamente o de que o Governo não governava.

O Sr. André Navarro: - Muito bem!

O Sr. André Navarro: - Muito bem!

O Orador: - E quando os tempos mudassem e tornassem a viver-se as horas de .sobressalto nas consciências, de tumulto nas ruas, de anarquia Tia Administração, de violenta agitação social, de incapacidade de poder; quando se visse que nada nem ninguém mais era respeitado, nem crenças, nem pessoas, nem fazendas - então mesmo os que não apreciam agora os bens que têm haviam de exigir se regressasse àquele método que ao menos permitia a cada um viver em paz.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E a opinião nacional erguer-se-ia toda a reclamar um governo forte, visto já ter a lição de que sem ele não há governo possível.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Essa aspiração colectiva abriria o caminho a todos os que, julgando-se nascidos para caudilhos, logo surgiriam a disputar o poder pessoal, arregimentando apoios populares com as piores demagogias. E ver-se-ia a Pátria sair sangrando de novas feridas depois de cada nova aventura, se entretanto não fosse arrastada pura alguma aventura sem regresso.

O Sr. André Navarro: - Muito bem!

O Orador: - A fórmula institucionalização do regime prefiro, portanto, a adaptação das instituições à personalização; a medida exacta da projecção de Salazar na vida portuguesa está menos no facto de não poder ser substituído que no de ter de ser continuado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-As implicações deste pensamento em matéria de revisão constitucional são claras: a primeira pessoa do Estado é o Presidente da República e reduzir-lhe a projecção nacional é diminuir-lhe a possibilidade de personalizar a função.

Os quatro conjuntos de problemas ou realidades políticas que deixo definidos,- existência de grandes tarefas nacionais e convicção pública de que é urgente obrigação do Estado cumpri-las, necessidade de realização do II Plano de Fomento, problema da institucionalização da chefia efectiva do Executivo, necessidade de unidade nacional - não esgotam A matéria, das preocupações políticas destes nossos ansiosos dias; mas creio que abrangem o mais importante, considerando exclusivamente as coisas sob o ponto de vista interno; porque há muitos males que vêm de fora, mas esses não têm de ser invocados para efeitos de revisão constitucional.

Deste epítome de problemas de facto resultam, como consequência directa, as implicações de direit o político que também já deixei referidas, e é agora a vez de resumir: a primeira é a de que a revisão constitucional corresponde a uma necessidade, porque a evolução dos factos foi suficientemente ampla para provocar desajustamentos; a segunda é a de que as correcções a introduzir deverão visar os objectivos seguintes, em correspondência com as questões de facto que se apuraram: a conservação da presente estrutura governativa no sentido de uma autoridade forte; a garantia da estabilidade política e do clima- de disciplina social interna; o robustecimento da posição do Presidente da República dentro do conjunto dos poderes públicos; a organização do processo político em ordem a conseguir o estabelecimento de um ambiente de unidade nacional, e a fomentar a integração completa das parcelas do mundo português dentro do mesmo ideal nacional.

Essas consequências resultam todas, repito, de factos acerca dos quais todos os portugueses estão de acordo e que são considerados de interesse decisivo qualquer que seja a posição ideológica de cada um. Parece, portanto, que todos deveriam estar igualmente- de acordo nas directrizes políticas impostas por aqueles mesmos interesses. Mas não é assim. Reconhece-se sem reserva a necessidade de levar a acção do Estado muito para além dos limites que o liberalismo lhe marcou; reclama-se instantemente a realização em curto prazo de vastas programas de ordem económica, social e cultural, e protesta-se com indignação por se não ir mais