seu tempo, também, há-de ser considerado e com toda a atenção que julgo merecer.

Direi algumas palavras sobre a primeira das questões enunciadas.

Numa recente intervenção parlamentar o Sr. Deputado Dr. Antão Santos da Cunha proferiu aqui uma sentença que, sem demasia, reputo verdadeiramente lapidar: «Não basta governar paca o País; é preciso governar com ele».

É um conceito do mais profundo sentido político, válido para todos os tempos e todos os lugares; mas válido, sobretudo, para as realidades do nosso mundo - a psicologia do homem, a mentalidade política, o clima social do nosso tempo.

É quase a fórmula que de lia muito adoptei e proclamo como expressão do que penso ser fundamento e espírito do bom governo: governo para o povo, não pelo povo, mas com o povo.

O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Muito bem!

O Orador: -Povo, esta bem de ver, tomado aqui, não no sentido de aglomerado amorfo de indivíduos autónomos, das concepções individualistas e ainda menos de classe e fracção social, mas no de sociedade organicamente considerada na sua constituição natural e histórica.

Governo para o povo, certamente, porque para benefício dos povos existem os governos, porque é essa a missão específica do poder político - o cuidado e a consecução do bem comum, entendido como bem de todos e de cada um, bem em que todos cooperam e de que todos participam. E é precisamente pelos serviços prestados à comunidade, é pela sua aptidão para realizar o bem comum que se há-de medir e julgar o valor dos regimes. O seu valor político, como instrumento dos interesses da cidade, e, em plano estreitamente- relacionado, o seu valor moral, diga-se a palavra própria - a sua legitimidade.

Governo para o povo, portanto. Mas não pelo povo, que é, em princípio, absurdo e redunda, na prática, em sofisma e povo não pode ser uma lei natural, porque a natureza não pode prescrever o que por natureza é antinómico e irrealizável.

Não pode constituir um direito o que é inconsequente e impraticável. E se, por outro lado, o governo é para o homem necessidade insuperável, porque o homem não pode viver sem a sociedade e a sociedade é impossível sem governo, lia que concluir, como tantos, que o povo o que tem -isso sim- é necessidade de ser governado.

Necessidade vital, insanável, decorrente da sua natureza, da própria essência humana, e, portanto, um direito.

Direito mais ainda que n ser governado. Inequivocamente: direito a ser bem governado.

Direito do povo, dever para os grandes, a quem incumbe, logicamente, esse encargo tutelar.

E então, se temos realmente respeito pelo povo, não ludibriemos o povo, iludindo-o com as roupagens de uma falsa realeza, para, em seu nome, e não raro com desprezo dos seus interesses profundos, governarem, irresponsavelmente, uns tantos maires du palais.

E, se temos verdadeiramente amor ao povo, em vez da ilusória soberania do povo, proclamemos como lema de governo a soberania, do bem comum e do interesse nacional; porque assim é que efectivamente serviremos o povo nos seus interesses autênticos. E servir, bem servir, é ainda a melhor maneira de amar.

Governo para o povo, não pelo povo, mas sim com o povo.

Governo com o povo, que tem sentido bem diferente do governo pelo povo das falácias da democracia. Governar com o povo não é reduzir o Poder a mero instrumento do arbítrio caprichoso das massas - negação de toda a ideia, de governo, porque o governo implica necessariamente uma autoridade que comanda e uma multidão que obedece.

Não é deixar a sorte do Estado, guardião e promotor supremo do bem público, à mercê das paixões, da incompetência e da versatilidade do maior número. Governar com o povo significa efectivamente governar, mandar com autoridade e independência verdadeiramente soberanas. Mas significa também que o Poder que governa há-de estar em contacto amplo e permanente com o povo governado. Que entre dirigentes e dirigidos deverá manter-se convívio franco e desassombrado, diálogo sincero e construtivo.

E assim, por um lado, a Nação exprima livremente as suas opiniões, os seus sentimentos, os seus anseios, os seus desabafos e até -porque não?- as suas críticas e os seus ralhos. E, do outro, o Poder acolha paternalmente a sua voz para lhe dar satisfação, quando possível e quando não, para a esclarecer, certificando-a da inviabilidade ou inconveniência das suas pretensões, da injustiça ou inexactidão das suas críticas. E mais: que o Poder, atento, aos movimentos e correntes da opinião pública, intervenha oportunamente a repor a verdade, quando gravemente alterada por obra da ignorância ou indústria dos agentes de perturbação.

Que o País seja largamente informado da obra que se faz e da política que se desenvolve. Da obra material e espiritual - das suas realizações e do seu alcance. Da política interna s internacional - das suas realizações, dos seus métodos, dos seus objectivos.

Que se prepare o espírito da Nação para as grandes tarefas colectivas e se lhe incuta a noção, o amor e o zelo do bem público e o dever de cooperar activamente coxa os governantes.

Que se não ocultem mesmo as dificuldades que se atravessam, os perigos que se correm, as más perspectivas que se antolham e a serenidade, a constância, a firmeza de ânimo, os sacrifícios que impõem ou podem vir a impor a todos.

Quando o governo, como é no caso português, tem tão alto sentido da sua missão, tão segura doutrina a nortear-lhe o caminho, tão adequados métodos a servir-lhe os propósitos, tão grandiosa obra realizada e tão vastas perspectivas de futuro, esta íntima e rasgada comunicação com o povo valoriza a sua posição e alarga e fecunda em grandes proporções às suas possibilidades de acção e os benefícios e alcance do seu labor.