no vértice a chefia do Estado - chave de todo o sistema político. E bem. O Estado exerce uma missão de unificação e de comando superior que implica um Poder forte e de feição monocrática. Onde o Poder está sujeito a dúvidas e disputas internas a autoridade dilui-se, degrada-se, e a sociedade dissolve-se na anarquia e na desordem.

Considerando o problema no plano dos princípios, tenho para mim que normalmente é a designação hereditária a que melhor assegura ao poder supremo do Estado condições de eficácia e de excelência para o exercício da sua altamissão. Só por ela também pode constituir-se um Poder que seja símbolo, adequado e fiel, da Nação, verdadeiramente representativo da sua essência e da sua vida histórica.

Só a realeza é, por natureza e virtude de posição, Poder nacional, Poder unificador, Poder contínuo, Poder humano e paternal.

Poder nacional. A realeza é uma instituição que identifica todo o ser de uma família com todo o ser e interesse profundo da inuidade é mais que a duração, é sequência, é sucessão coerente no desenrolar da vida e da história. Continuidade que é, do ponto de vista político, uma das grandes virtudes da realeza. Porque todas as grandes realizações políticas são obra do tempo e dos esforços orientados numa linha de conformidade com o objectivo final. Se, como disse Goethe, a obra-prima do homem é durar, a monarquia então realiza, em política, a obra-prima de que fala Goethe.

Poder independente. Independência na origem, independência no exercício. Porque o poder não vem da vontade dos homens, não fica maculado pelo pecado original da sua instituição, tutelado pelos que o erigiram e fizeram. O poder dá-o o sangue, em virtude de uma lei. É livre.

Poder humano e paternal. Poder encarnado e vivo. Poder fonte de amor. Nada mais frio do que o poder sem carne e sem alma, ser funcional e anónimo. Nada mais desolador do que a lei nua e a norma sem comunicabilidade nem calor humano.

E só a presença do homem, do homem que se identifica com o povo, que o acompanha e o rege desde o berço até à morte; o homem que o povo vê, infante e gracioso, a crescer na vida para um dia o servir e depois no trono, rei e senhor, associado para sempre ao seu destino, nas horas boas e nas horas más, até morrer e se continuar nos do seu sangue - esta presença do homem que dura e irmana é que cria o amor, o amor que tantas vezes existiu, na nossa história destacadamente, quase sempre existente entre governantes e governados. E o amor também é preciso no governo dos homens.

Os homens têm necessidade de amar, e, se há neles um sentimento de autonomia e de rebeldia, também o há de submissão e de reconhecimento para os que mandam, com brandura e para o bem.

Pode até dizer-se que o governo se mantém, sobretudo, pelo medo ou pelo amor. Que seja pelo amor. Como entre os pais e os filhos, o amor adoça a voz dos que comandam e torna mais fácil a obediência e a submissão.

A vida política não será, como no reinado da soberania popular, perpétua disputa de litigantes, a confrontar direitos e limites de governantes e governados. Será a vida de uma grande família que o amor liga, criadoramente, num destino colectivo. Tem razão Alfredo Pose. O drama da ausência do homem é uma das maiores razões da divisão da cidade moderna.

Um dos grandes problemas do nosso tempo é o da reencarnação do Poder, dando seguro o coração humano a quem comanda. E é pela sua orfandade política que o homem do nosso tempo, governado por abstracções e a frieza impassível da lei, não tendo diante de si um ser humano com quem tratar, ou a ser governado por homens transitórios que passam a correr, sem criar vínculos nem afectos, é por isso que o homem moderno se entrega tão depressa ao ditador de aventura que lhe conquista a alma, porque é um homem.

Desço do plano dos princípios à vida das realidades e do condicionalismo dos tempos. E, já que dentro do sistema electivo há-de solucionar-se o problema, tentemos, ao menos, rodear a escolha das possíveis garantias de boa selecção e de dispor as coisas para que do sufrágio não resulte diminuição para o prestígio do eleito. E este desígnio impõe que os que escolhem sejam altamente qualificados, valores consagrados com títulos de capacidade indiscutível. E que, por outro lado, a eleição se faça em ambiente da maior compostura, da maior dignidade e elevação.

Propôs o Governo um colégio eleitoral composto pela Câmara Corporativa e a Assembleia Nacional e delegados dos municípios portugueses.

No meu projecto sugeri que, em lugar dos delegados dos municípios, se confiasse o alto encargo às figuras que ocupam os cargos e posições mais eminentes no País, o que pode, com a maior legitimidade, chamar o seu escol, os seus grandes, os seus notáveis.

Assim me parece altear-se o mais possível o nível do sufrágio, rodeá-lo de grandeza e de solenidade. Seria título da mais alta consideração e garantia do maior prestígio sair eleito de uma assembleia onde concorriam os valores supremos da Nação, muitos desses valores de todo independentes do Poder e muitos, também, exercendo funções ou detendo cargos a um nível verdadeiramente nacional.