Dele ressalta, em resumo, o seguinte:

Ao constitucionalizar-se a Revolução Nacional, quero dizer: ao passar-se do regime de ditadura para o jogo normal das novas instituições políticas, era impossível deixar de buscar no sufrágio directo e universal a fonte imediata do poder político do Chefe do Estado, uma vez que, acima de tudo, se tinha de garantir a necessária independência do Supremo Magistrado da Nação, agora investido de real poder de soberania - conforme a melhor sabedoria política e a ética do novo regime.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Rodrigues Prata: - Muito bem!

O Orador: - Designadamente, consolidou-se a Assembleia Nacional e criou-se a organização corporativa - cedo sustada no seu normal desenvolvimento e mesmo desviada das suas específicas finalidades pelas adversidades dos ventos soprados com o incêndio que o desvairo dos homens ateou no Mundo. Eis, porém, que ela está a retomar o seu curso natural e a cuidar de completar-se, começando a revelar-se capaz de novas inferências nas expressões da vida colectiva da Nação e no ordenamento da vida política do Estado.

Do mesmo passo, a experiência colhida nas últimas duas campanhas de eleição presidencial mostra que o actual processo de designação do Presidente da República ameaça agora comprometer a sempre almejada dignidade da função presidencial e se foi desvirtuando em processo de destruição do próprio regime através do chamado golpe de Estado constitucional.

É assim tempo, e parece estar-se em condições, de abandonar o sistema eleitoral em vigor e de avançar mais um passo no sentido do aperfeiçoamento, ainda longe de inacabado, das nossas instituições políticas.

Tendo, porém, de continuar a «escolher» qual a solução mais adequada na presente conjuntura?

Recusado favor à eleição directa pela colectividade nacional, eliminada fica também a chamada eleição em segundo grau, isto é, o processo de designação através de um colégio eleitoral expressamente constituído para este fim através do sufrágio universal directo. Mais do que toda a dedução lógica de puros raciocínios, anda bem patente na consabida experiência alheia que a eleição indirecta é, afinal, simples modalidade da eleição directa, pois nesta se converte praticamente.

Assim, devemos tê-la por tão inadequada ao nosso condicionalismo político-social como a primeira.

A eleição pela Assembleia Nacional ou por esta e pela Câmara Corporativa tem contra si o defeito de o colégio eleitoral parecer demasiado reduzido para a designação de um Chefe do Estado, que se pretende re vestir da maior autoridade moral e do mais forte prestígio político. Contra ela milita também, e acima de tudo, o defeito de facilmente levar à concepção prática de um Presidente da República limitado pela fonte imediata do seu poder e dela dependente, por parecer emanação exclusiva das duas câmaras - o que seria correr o grave risco de lançarmos na voragem uma das virtudes fundamentais do regime, constituída precisamente pelas condições de independência de que se tem cercado e pretende continuar a cercar o Chefe do Estado, árbitro constitucional da vida política. Daí o colégio eleitoral misto, em que aos membros da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa se juntam os representantes de outros órgãos da vida pública. Por este processo alarga-se suficientemente a composição do colégio eleitoral e evita-se o exclusivismo da eleição pelas duas câmaras - parecendo ficar garantida, dentro das possibilidades humanas do processo, a eleição em atmosfera de ordem e dignidade, civismo e prestígio.

Não será, ainda, a perfeição; mas é razoável admitir-se que é imperfeição menor.

Creio ser este, Sr. Presidente, o sentido construtivo do douto parecer da Câmara Corporativa.

Nele assentei tranquilamente as certezas humanas indispensáveis de momento ao meu espírito, e guardava-ma para intervir apenas na especialidade, com vista a um apontamento sobre o que o novo sistema irá implicar de ajustamentos noutros domínios, designadamente no da constituição da Câmara Corporativa - onde, além da segurança da genuinidade da representação dos vários interesses, é mister alargar a representação dos de natureza espiritual e moral, agora bastante diminuta, quer tendo em conta simplesmente a sua própria relevância, quer comparando-a com a forte representação dos de ordem material.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. José Saraiva: - V. Ex.ª dá-me licença?

Peço a V. Ex.ª que me diga simplesmente e sem rodeios se está ou não disposto a ouvir apartes, se está disposto a dialogar.

O Orador: - Estou disposto a ir até ao fim sem diálogo, se o diálogo se revelar inútil.

O Sr. José Saraiva: - E que V. Ex.ª poderia poupar-me o esforço de ir amanhã à tribuna explicar o que se poderia esclarecer desde já. Mas no ponto em que se encontra pode V. Ex.ª continuar com todas as imputações vagas de niilismo, criticismo, negativismo. Que mão são justas resulta, evidentemente, do facto de se ter dito quanto a Pátria deve ao regime e de se ter afirmado como preocupação dominante a de, por isso mesmo, o continuar.

O Orador: - Repito: se os apartes de V. Ex.ª são verdadeiros apartes, poderá fazê-los, mas se forem exposições, isto é, discursos a intercalar no meu próprio discurso, não poderá. E continuo.