O Orador: - Responderei a V. Ex.ª que: 1.º Não me interessa grandemente a interpretação que possa ter em certos meios uma certa atitude; interessa é saber se ela é legítima;

2.º As votações da Assembleia Nacional não são, necessariamente, e não têm sido muitíssimas vezes, unânimes. Ou por preferências derivadas da formação mental ou por outros motivos explicáveis, podem formar-se, e têm-se formado, correntes de opinião a propósito de cada problema. Mas não são correntes organizadas, sistemáticas, partidárias.

O Sr. José Saraiva: - Creio que V. Ex.ª está a fazer uma injúria à Assembleia.

O Orador: - Pois pedirei desculpa à Assembleia, ou a V. Ex.ª, se é a V. Ex.ª que estou a fazer a injúria.

O Sr. José Saraiva: - Se se acata a lição de Salazar de que a política, para ser nacional, tem de repudiar completamente as formas partidárias, não pode deixar de se entender que qualquer candidatura de tipo partidário seria aqui dentro unânimente repudiada. Mas nem por isso deixa de ser verdade que um sector permanece agarrado a velhos mitos, e esse sector apoiaria uma candidatura com tais características. Admitir que, posta tal alternativa, e dada a nossa formação, nos não pronunciássemos .por unanimidade, seria fazer-nos injúria.

Não apoiados.

O Orador: - Sr. Presidente: negada assim legitimidade aos Deputados para fazerem parte do colégio eleitoral, era evidente que tinta de ser recusada, de igual modo, aos Procuradores à Câmara Corporativa. O ilustre orador entendeu, porém, que convinha acentuar a inautenticidade dos Procuradores.

A este respeito, começa por discordar de que se afirme que a nossa «Constituição é de concepção corporativa», porquanto, explica, c o que é corporativo não é a Constituição em si mesma, mas a Nação tal como a Constituição a compreendei».

Eis, Sr. Presidente, o que me atreverei a chamar simples jogo de palavras ou, se me é lícita a expressão nesta tribuna, um esquisito gosto de embirrar. Respondo por um processo» idêntico: acaso se poderá falar, no terreno doutrinário como no histórico, em Constituições de concepção liberal, se o que verdadeiramente é liberal não são as Constituições em si mesmas, mas as instituições tais como as constituições as compreendem? Todavia, n inguém jamais pôs em dúvida o perfeito emprego da expressão a Constituições de concepção liberais ou «Constituições liberais».

Sublinha-se noutro passo do- discurso a discordância de que o voto orgânico possa servir de «instrumento adequado à soberania nacional».

Mas como assim -anoto eu-, se simultaneamente se entende que a Nação é mais do que a soma dos indivíduos, abrangendo, portanto, instituições, e até se reconhece uma aplicação prática de tal princípio quando se aceita o voto do município, por ser uma das «mais autênticas corporações»?

Sr. Presidente: a selva de contradições é demasiado densa para me embrenhar demoradamente por toda ela. Tenho de deixar para trás o matagal das mais rasteiras, que, à sombra das acabadas de apontar, se desenvolveram no terreno corporativo. Aponto apenas, a título de curiosidade, aquela planta parasita em cujas raízes laterais se tenta chegar a absorver todo o espírito corporativo, negando-se aos dirigentes, por mais bem eleitos que tenham sido pelo sufrágio universal dos seus pares, quer directo, quer indirecto, o direito de verdadeiramente os representarem e em nome do respectivo organismo agirem para além dos actos de mero expediente, pois que parece deveriam, em tudo o efectivamente substancial, munir-se de prévio voto expresso das assembleias ou conselhos gerais. Custará, talvez, a acreditar que tão estranha concepção venha num discurso em cuja abertura se defendeu a conveniência de «institucionalizar a própria personalização do Poder»!

O Sr. José Saraiva: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. José Saraiva: - V. Ex.ª conhece, como talvez mais ninguém, os problemas concretos do corporativismo. V. Ex.ª é um dos mais formosos, cintilantes, espíritos desta Casa ...

O Orador: - Simplesmente amabilidade de V. Ex.ª Muito obrigado.

O Orador: - Não é verdade, desculpe o tom categórico da negativa.

O Sr. José Saraiva: - V. Ex.ª diz que não é. E nós ouvimos.

O Orador: - V. Ex.ª apelou para o meu directo conhecimento da matéria, que considerou autorizado. Com base nele, posso assegurar que, salvo talvez dois ou três casos em que informações fidedignas mostraram estar-se perante candidatos a dirigentes não integrados na ordem social, isto é, comunistas, o Ministério de que tive a responsabilidade directiva deixou sempre agir livremente a iniciativa dos sócios dos organismos corporativos na designação dos respectivos dirigentes - havendo também o cuidado de só em casos extremos, aliais bastante raros, se nomearem comissões administrativas.

Aceito, sem dificuldade, que algumas vezes os interessados não terão sabido escolher bem ou poderiam escolher melhor; mas isto resulta da falta deles próprios, quero dizer, do imperfeito uso da perfeita liberdade de escolha, por culpa, naturalmente, dos mesmos interessados.

O Sr. José Saraiva: - Estamos de acordo. Há uma culpa, não interessa de quem. Se há culpa, há um facto que a origina.

O Orador: - O que foi negado ou de que V. Ex.ª duvidou foi a genuinidade da eleição, e esta é que eu afirmo. Uma coisa é ter sido autêntica a eleição e a outra é terem sido eleitos os bons ou os melhores; mas, mesmo quando tal não haja sucedido, não foram as directrizes ou intervenções ministeriais, que vieram a escolher.