O Sr. José Saraiva: - A esse respeito V. Ex.ª disse muitas palavras, e para bom entendedor meia palavra basta.

O Orador: - Ou isso não responde nada ou eu não sou bom entendedor.

O Sr. José Saraiva: - Do meu discurso parece que não.

O Orador: - Salvar-se-á, ao menos, Sr. Presidente, a intervenção da representação municipal? Parece que sim; mas também parece que não!

Parece que sim, visto ter-se considerado «justo» o «princípio da representação municipal», atendendo a que o «município é talvez á mais (...) autêntica das nossas estruturas corporativas» e a «mais justa das formas existentes de agrupamentos de interesses».

Mas também parece que não, se atentarmos noutras afirmações. Na verdade:

Por um lado, reconhecendo-se que á Nação é mais do que a soma aritmética dos indivíduos, acentua-se que «também é mais do que a soma aritmética das instituições», para se concluir daqui (não discuto agora se lógica ou ilògicamente) que a «legitimidade para votar» é completamente «anterior a qualquer enquadramento corporativo», vindo do «simples facto de ser português», ou seja de ser pessoa individual. Mas como legitimar então o voto da instituição município?

Por outro lado, reinci de-se nesta contradição quando, no propósito deliberado de rejeitar o voto corporativo e dos Procuradores à Câmara Corporativa, se considera pura abstracção inatendível tanto o «homem-operário» como ... o «homem-munícipe» e se apela ingloriamente, em nome de uma filosofia dita moral, para a pessoa-indivíduo como realidade única, e, portanto, única susceptível de «decidir, independentemente dos condicionamentos resultantes da sua inserção no tecido social». Mas, sem discutir agora a falsidade desta asserção, como admitir então o município no colégio eleitoral?

O Sr. José Saraiva: - Eu disse que o município é realmente a mais autêntica das nossas estruturas corporativas porque no município não estão representados unicamente interesses profissionais, mas toda a riqueza dos interesses humanos. Ora, quando digo que a Nação é mais que a soma dos grupos corporativos, é no sentido do interesse nacional, que não é absorvido pela soma dos interesses técnicos e profissionais representados nas corporações. Mas já se poderia admitir se exprimisse através da totalidade dos interesses não representados pelos municípios, mas enquadrados por eles. Eu aceitaria por isso, em princípio, eleição de base municipal, e por isso proponho a paróquia como base da eleição, porque ela é, verdadeiramente, historicamente, a representante dos municípios tradicionais, a que mantém a sua dimensão humana.

O Orador: - O problema é outro - o de saber se é ou não legítimo que o município intervenha. V. Ex.ª disse que é «justo» que ele intervenha; mas, logo a seguir, afirmou que o direito de votar é anterior ao município e que só o indivíduo pode votar. Aqui é que eu vejo a contradição.

O Sr. José Saraiva: - Eu disse anterior a qualquer corporação.

O Orador: - Pois disse, e disse também que o município é a melhor das corporações.

O Sr. José Saraiva: - Chamei eu, mas não V. Ex.ª

O Orador: - Palavras! O que importa é que lhe chamou a melhor das corporações e, como tal, a considerou com legítimo direito a intervir na eleição; mas, simultaneamente, nega-lhe esse direito ao entender que só o indivíduo vota, porque o direito de voto é anterior a qualquer corporação.

O Sr. José Saraiva: - Eu disse que o direito ao voto era anterior a qualquer enquadramento corporativo; em sentido técnico, o município não é um enquadramento corporativo.

O Orador: - V. Ex.ª disse que o direito de votar é anterior a qualquer enquadramento corporativo e, ao mesmo tempo, que o município não só dele fazia parte como até é a melhor das estruturas corporativas, mas parece agora que já não é ...

O Sr. José Saraiva: - Aludi concretamente a problemas ligados à unidade do mundo português e que o direito de votar é anterior a qualquer enquadramento. Eu excluí dessas corporações os municípios porque, se eles são corporações verdadeiras no sentido mais amplo, já o não são na acepção técnica do termo, que era aquele a que eu aludi ao falar do enquadramento corporativo. Está V. Ex.ª esclarecido?

É que, efectivamente, há aqui uma confusão que V. Ex.ª pretende estabelecer entre o meu conceito estrito de organismo corporativo e o conceito de estrutura humana, muito mais amplo. Quando eu digo «corporação», em sentido técnico, não incluo aí o município. Digo que me parece que o voto do orgão corporativo stricto sensu é incompatível com a dignidade da pessoa humana. Se mo permite, exemplifico. Acontece que eu faço parte de uma estrutura corporativa - a Ordem dos Advogados -, e é manifesto que nesse organismo a relevância do meu voto está limitada pela minha qualidade prof issional. Más então fica de fora quase tudo: o estudioso,-o chefe de família, o pai de muitos filhos, o homem preocupado pelos problemas humanos - todos os aspectos de uma personalidade que nada tem que ver com o aspecto profissional, e que são justamente aqueles que determinam o sentido do voto.

O Sr. José Saraiva: - É tão simples! Há duas questões diferentes: a primeira consiste em saber se, dentro de uma concepção de voto orgânico, a solução da proposta é satisfatória. Isto é, se, dentro dessa concepção, um colégio formado pela Câmara dos Deputados, pelos Dignos Procuradores e pelos representantes dos municípios pode ser um processo idóneo. Independentemente de saber se o voto orgânico é ou não é de aceitar, trata-se de ver se esses três órgãos seriam qualificados. E, quanto ao município, penso que sim. O que me parece também é que nem essa representação municipal