aparece na proposta em termos aceitáveis, nem os outros órgãos em termos isentos de crítica.

A segunda questão é a seguinte: a própria concepção de voto orgânico não suscita dificuldades? E um outro problema; examinei-o, e concluí rejeitando a própria ideia do voto orgânico. Tudo isto é claro. Não vejo onde esteja a selva virgem: mais me parece o meu discurso uma herdade ordenada, onde há semente para o pão que as nossas incertezas reclamam. Em matagal é V. Ex.ª que o quer transformar.

O Orador: - Tudo isso é literatura, que não interessa ao fundo da questão. Estamos a discutir um caso concreto. Não tratamos de pão, mas de votos. E vamos adiante, porque está visto não ser possível esclarecer a contradição. Não vejo que se lucre mais coisa alguma com o diálogo.

A crítica de que me venho ocupando, Sr. Presidente, repugna a arrumação dos municípios por distritos para efeito de escolha dos seus representantes ao aludido colégio eleitoral. Donde vem a repugnância? Deste facto, apresentado com a candura de um didáctico ensinamento: é que a verdadeira estrutura corporativa a ter em conta é o município, e não «o conjunto de municípios de cada distritos, simples categoria administrativa- do que resultaria uma «representação (...) convencional, destituída de toda a genuinidade representativa».

Ora, tenho por mais que evidente que os distritos não aparecem aqui, diversamente do inculcado com certa ligeireza pela crítica, como categoria administrativa, mas na mesma qualidade com que se nos apresentam para a eleição dos Deputados. São simples forma de organização do mapa político do País. Aproveitam-se, em vez de se criar uma organização ad hoc, para definição dos círculos eleitorais, isto é, como processo técnico de recolher os votos dos municípios, sem que perigue no mínimo a autenticidade da instituição municipal. Tão meridiana me parece esta interpretação que não faço à Câmara a injúria de me deter com ela. Mas já me não espantarei se, ao fim e ao cabo, o sistema que se pretende instaurar, em substituição da proposta do Governo, vier a transformar o município - e aqui deturpando toda a verdade da instituição - em simples área territorial para efeitos eleitorais ou mesmo a negá-lo totalmente, esquecido de como era ajusto» considerá-lo.

Vi discordar-se também «do processo de designação dos representantes» municipais. Porquê?

A proposta do Governo cuidou de afastar da designação dos representantes municipais ao colégio eleitoral todas as câmaras que estejam em regime de comissão administrativa e até todos os presidentes, enquanto forem de nomeação. Por isso fala de vereações, eleitas nos termos da lei. Compreende-se que tinha de ser assim e vê-se que a proposta o não entendeu de outro modo.

Pois bem! O criticismo demolidor resolveu abalar as colunas do templo e destruiu todo o edifício: está escrito «vereações eleitas», mas sabe-se (sabe-se!) «como a Administração Central, mercê da sua própria eficiência», pode levar a que as vereações «formalmente eleitas» sejam «efectivamente designadas». Por estes ínvios caminhos nada resiste, sem exclusão do sistema original preconizado ou improvisado do alto desta tribuna para a eleição do Presidente da República ... Convenhamos, pelo menos, em que estamos perante uma atitude bizarra!

O Sr. José Saraiva: - V. Ex.ª não pode negar que isto seja verdade.

O Orador: - Desculpe V. Ex.ª, mas, efectivamente, nego que seja verdade. Ainda que, porventura, haja algum caso dessa natureza, a afirmação de V. Ex.ª não poderia tomar-se para uma generalidade de casos.

O Sr. José Saraiva: - V. Ex.ª é sincero nessa sua afirmação ?

O Orador: - Desculpe-me de novo V. Ex.ª, mas aí está uma pergunta que não é lícito fazer-se a alguém nesta Casa. Por isso mesmo não pus e não quero pôr em dúvida a própria sinceridade de V. Ex.ª

Acrescento: não conheço, e V. Ex.ª também não apontou, casos concretos de vereações formalmente eleitas, mas praticamente designadas. O que sei do problema diz-me que tal se não verifica, nem é fácil verificar-se, mas, por concessão, aceitei que pudesse haver um ou outro caso raro em contrário e acentuei que daqui se não pode partir para a afirmação de um uso corrente, de um sistema habitual, de uma generalidade de casos; por existirem três, não pode raciocinar-se como se existissem trezentos - que seria tomar a parte mínima pelo todo.

O Sr. José Saraiva: - V. Ex.ª apenas conhece três casos ?

portanto, a necessidade de ajustamentos fáceis às lições trazidas pelos factos. Sabe-se como bem avisada tem sido esta prudência, que não embaraçou as exigências da vida real com a dureza da vida legal. O mesmo pensamento, sem dúvida, presidiu à proposta em discussão, ao preconizar a experiência que é a admissão dos municípios no novo colégio eleitoral - sem termos de rebuscar nos escaninhos da alma eriçada motivos ocultos de tal determinação.

Acrescentarei, para tranquilidade dos mais confiantes na desnecessidade de nos atermos a lições da experiência, que, por um lado, não fica deixado ao puro arbítrio da lei ordinária a regulamentação de tais matérias, pois se lhe fixam critérios de orientação a que deverá obedecer, e, por outro lado, sempre a esta Assembleia assistirá o direito de se pronunciar sobre a mesma lei.

O Sr. José Saraiva: - E se a lei for publicada quando a Assembleia estiver fechada ?

O Orador: - Tem V. Ex.ª sempre a possibilidade de aqui apresentar um projecto de lei para modificação dessa lei.

Sr. Presidente: embora, como avisei, não tenha pretendido fazer a, crítica da crítica da proposta e do pare-