cer, alonguei-me demasiado. Também não tive tempo de ser mais curto. Hás hei-de dizer ainda que tiro de todo o exposto uma conclusão - que outra não posso tirar. É esta: o criticismo de que dei conta a V. Ex.ª e à Câmara existe e redundou na selva de contradições de que também dei conta, certamente pela tortura permanente de um espírito inquieto, em busca de não encontráveis firmezas, e pela ânsia constante de uma alma intranquila, em busca de não encontráveis seguranças. Por isso me tinha chegado a assomar a impressão de que iríamos assistir à procura de refúgio, como melhor abrigo, nas possíveis menos incertezas do princípio dinástico.

O Sr. José Saraiva: - Sabe V. Ex.ª que penso que esta Câmara não é uma Câmara de facções, por isso, qualquer que seja a nossa posição ideológica, devemos deixá-la lá em baixo, ao fundo da escada. Por isso, entende que não tinha sequer o direito de definir qual era a minha posição quanto a esse assunto.

O Sr. Cerqueira Gomes: - Mas eu fiz essa afirmação porque entendi que tinha de definir a minha posição. Mas ressalvei que, na prática, a minha atitude era de apoio.

O Orador: - Eu disse que tudo isto são as inevitáveis incertezas humanas, as incertezas do que é contingente.

Sr. Presidente: tinha-me enganado ! De tanto duvidar parece ter nascido a luz e a fé - a luz de um sistema novo e a fé na sua originalidade.

A Câmara ignora ainda o que será exactamente esse sistema, pois não foi logo apresentada qualquer proposta em que ele se concretize.

O Sr. José Saraiva: - A proposta está na Mesa. Trata da eleição dos representantes das freguesias pelos chefes de família residentes nas freguesias.

O Orador: - Nem a Câmara nem eu a conhecemos ainda. Mas, como V. Ex.ª considerava indispensável o sufrágio universal - e nisto era categórico -, se na proposta não está o sufrágio universal ficaremos perante uma nova contradição.

O Sr. José Saraiva: - Continua a não existir contradição alguma. O meu discurso até agora está intacto e tão completamente de pé como um roble das tais florestas de que V. Ex.ª fala e sob cujos ramos passam carreiros de formigas... O que eu esperava era que, tendo-se nele afirmado que o sufrágio universal era a única solução, V. Ex.ª hoje me indicasse outro caminho.

O Orador: - V. Ex.ª considera o sufrágio universal indispensável, mas propõe simplesmente sufrágio pelos chefes de família. Parece que isto não é sufrágio universal.

O Sr. José Saraiva: - E, com a modalidade que parece mais adequada. O sentido da proposta foi muito pensado.

O Sr. José Saraiva: - O problema é outro.

O Orador: - A suposição de que parto é a de que V. Ex.ª terá apresentado uma proposta no sentido das considerações do seu discurso, onde se considerava basilar o sufrágio universal.

O Sr. José Saraiva: - V. Ex.ª, na sua proposta ...

O Orador: - Quer V. Ex.ª dizer: na proposta que defendo, porque eu não apresentei nenhuma proposta.

O Sr. José Saraiva: - Eu queria dizer a proposta do Governo.

O Orador: - Felizmente não sou Governo, do mesmo modo que, decerto infelizmente, também o não é V. Ex.ª

O Sr. José Saraiva: - Infelizmente quanto a V. Ex.ª Quando os homens da craveira de V. Ex.ª estão no Governo, só temos que nos felicitar.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Cautela, que daqui a pouco pergunta-lhe pela sinceridade.

O Sr. José Saraiva: - Na proposta pretende-se descobrir uma base de eleição do Presidente da República mais sólida e mais estreita. Eu pretendo manter a solidez sem apertar o diâmetro.

O Orador: - Não vale a pena o diálogo. Desviando a questão ou gastando só palavras, estamos a perder tempo.

O Sr. José Saraiva: - Vale. Quando as artérias se apertam, pode cair-se numa verdadeira arteriosclerose das vias intérpretes do verdadeiro sentir comum.

O Orador: - Não é de nada disso que eu trato.

Q Sr. Cerqueira Gomes: - Não trazem o sangue da periferia, mas levam-no do centro para a periferia.

O Orador: - Do que eu tratei é que V. Ex.ª, no seu discurso, considerava ilegítimo todo o processo que não tivesse na base um sufrágio universal, ao menos o indirecto. Se a proposta de V. Ex.ª não assenta num sufrágio universal, embora indirecto, V. Ex.ª é mais uma vez ilógico.

O Sr. José Saraiva: - V. Ex.ª importa-se de me responder a uma pergunta simples? O regime até hoje era de sufrágio universal?

O Orador: - V. Ex.ª, no seu discurso, diz que sim. Se V. Ex.ª não foi sincero nisso, a culpa não é minha.

O Sr. José Saraiva: - Não fujamos do assunto. Sufrágio universal é um conceito...

O Orador: - V. Ex.ª é que continua a fugir à questão. Estamos a discutir se o sufrágio universal indirecto constituirá base indispensável para a designação do colégio eleitoral e nada mais.

Se na sua proposta está sufrágio universal, V. Ex.ª é lógico; mas se não está, é ilógico.

O Sr. José Saraiva: - O sufrágio universal é, em sentido rigoroso, aquele em que se atribui voto a todo o cidadão. Mas na linguagem corrente continua a chamar-se sufrágio universal à concessão de direito a voto a uma larga massa de cidadãos. O sistema usado até hoje no nosso país, no sentido técnico, não é universal - e V. Ex.ª, se pegar em qualquer manual de instituições políticas, verá isso -, mas pode chamar-se univer-