O Sr. Melo Machado:.- Muito bem!

O Orador: - Ora a extensão da necessidade de ratificação a todos os decretos-leis sobre matéria tributária tem ainda a vantagem de prevenir a frustração constitucional que actualmente é possível.

Finalmente, do fundo desta observação e de outras talvez se possa extrair este dado básico: a mera possibilidade de a Assembleia poder vir a discordar de medidas do Governo encerra o perigo de pôr em causa o interesse público, de criar dificuldades à sua realização, etc.

Quer dizer: parece assentar-se em que medida do Governo é igual a medida conforme ao' interesse público, e opinião divergente da Assembleia igual a ponto de vista desarmónico com esse interesse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Assim, é que se fala em «medidas tributárias julgadas (pelo Governo) indispensáveis ao interesse público», em «desaconselháveis (do ponto de vista do Governo, ó claro) dificuldades 'à vida financeira do Pais», etc.

Admito que não tenha havido a intenção de partir de tal base. Admito mesmo que não seja isso o que está escrito. Mas pode ficar-se com a impressão de que é.

Julgo, porém, oportuno anotar que nem ao entrarem nos Governos são os homens tocados por qualquer graça especial que os torne infalíveis, nem ao entrarem nas assembleias se tornam presa de um génio do mal que inutilize todas as suas faculdades e possibilidades, bom senso e equilíbrio.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Acrescenta-se no parecer, contra o alargamento dos poderes da Assembleia no aspecto agora em apreciação, que, afinal, o Governo é um órgão indirectamente representativo, na medida em que se apoia na vontade de um órgão, esse directamente representativo e responsável perante a Nação, que é o Chefe do Estado. Nisto creio ir implícita a conclusão de que tal circunstância justificaria a decisiva intervenção do Governo em matéria de impostos.

Salvo o devido respeito, creio que este argumento virá a constituir uma apreciada curiosidade.

Cumpre dizer, antes de mais, que .na lógica do parecer todos os Governos nos países civilizados, não sendo, evidentemente, de geração espontânea, são órgãos indirectamente representativos, e isto porque todos, mais ou menos enviesadamente, se vão apoiar na vontade de órgãos directamente representativos.

Isto mesmo, por constituir um dado evidente, já deve ter sido notado pelos cultores de direito constitucional dos demais países.

Porém, tanto quanto sei - e é muito pouco -, não se lembraram ainda esses cultores de, a partir do facto de os Governos serem órgãos indirectamente representativos no sentido que ficou referido j pretenderem justificar a sua intervenção primordial em matéria de impostos, a qual, ao contrário, continua a pertencer às assembleias.

Segundo parece, .entre nós foi-se agora mais longe, viu-se mais, levou-se-lhes a palma.

Admitindo, para os efeitos agora em vista, a teoria da «representação indirecta» enunciada no parecer, uma dúvida surge logo ao meu espirito: onde pára o conceito de representação indirecta como fundamento possível de poder legislar em matéria de impostos?

É que, consoante é sabido, o Governo nomeia muitos outros órgãos da Administração. Sendo assim, parece que a lógica da observação do parecer comporta este raciocínio: esses órgãos são nomeados pelo Governo, que por sua vez é nomeado pelo Chefe do Estado, órgão directamente representat ivo; sendo, portanto, tais órgãos no fundo reconduzíveis à vontade de um órgão representativo, são em certo sentido órgãos indirectamente representativos.

Deste modo, dentro das bases do parecer, porque não atribuir a uma comissão qualquer nomeada pelo Governo o poder de legislar em matéria de impostos? Ou será' que só conta, paru o efeito, a representação indirecta em um grau? Mas, a ser assim, porquê? Qual o legitimo limite .que, paralisando o desenvolvimento lógico da observação do parecer, impede que seja uma comissão especial a legislar sobre impostos? Onde pára a faculdade de substabelecer poderes de tão grande significado e alcance?

Além disso, o argumento prova de mais.

Se o facto de o Governo ser um órgão indirectamente representativo justifica que se lhe atribua a faculdade de legislar em matéria tributária, não se vê porque não há-de justificar que se lhe atribuam os restantes poderes da Assembleia. Em tal lógica o Governo, como órgão indirectamente r epresentativo, poderia esgotar toda a orgânica constitucional, sem deixar margem para a existência da Assembleia.

O Sr. Melo Machado: - É isso que se quer!

O Orador:-Isto resulta de o parecer, fazendo confusão, deslocar a questão.

É que o problema que está em cansa não é q de saber se o Governo é, ou não um órgão indirectamente representativo, mas antes o de saber, tendo em conta uma inevitável divisão do poder político por vários órgãos da soberania, considerando o facto de existir uma Assembleia Nacional, atendendo a incontestáveis dados históricos e a aceitáveis princípios, como há. que distribuir e dosear a atribuição de poder político por modo a haver um razoável equilíbrio nessa distribuição.

Ora sobre este ponto nada esclarece o facto de o Governo ser um órgão indirectamente representativo, que deixa o problema exactamente no mesmo pé.

Por outro lado, tendo em conta o que já disse sobre os vários aspectos com interesse para o caso que acabo de apontar, considerando também o facto dê a Assembleia ser um órgão directamente representativo com poucos poderes e o Governo indirectamente representativo com muitos poderes, e ainda a circunstancia de