O Governo da Inglaterra é bem, na fórmula consagrada, a ditadura do Primeiro-Ministro. Vigora aí o sistema de dois partidos maciços e de forte coesão mantida por uma rigorosa .disciplina partidária. O Governo, apoiado numa maioria segura e homogénea, chefiada pelo Premier, governa confortàvelmente durante, pelo menos, os cinco anos da legislatura.

O Sr. Carlos Lima: - Isso quer dizer, de harmonia com os esclarecimentos dados por V. Exa., que o regime parlamentar também tem virtudes ...

O Orador: - Isto quer dizer simplesmente que onde houver o sistema de dois partidos consistentes e disciplinados é possível governar.

O Sr. Carlos Lima: - Então, de harmonia com essa afirmação, parece que também podem ser bons os sistemas partidários ...

O Sr. José Saraiva: - Esse é um péssimo exemplo.

O Orador: - Não me parece assim. Forque uma coisa são os meios e outra os fins. O que eu pretendi dizer foi que o Governo Soviético tem possibilidades de governar - o que é um bem. O que é um mal, isso sim, é o mau uso que se tem feito desse poder.

O Sr. Carlos Moreira: - E só são cinco países. O orador disse que era em todos os países.

O Orador: - Eu respondo. Há mais países em que isto sucede. Podia citar-lhe ó exemplo da Alemanha Ocidental e da Espanha. Noutros países de regime parlamentarista isto não sucede,, mas nesses países também é impossível governar. Falo dos países em que se governa, efectivamente.

O Sr. Carlos Moreira: - Isso é que era preciso dizer.

O Sr. Carlos Lima: - Desde já quero observar a V. Exa., a propósito de tudo isto, que em qualquer dos países que V. Exa. citou o predomínio legislativo é sem dúvida das assembleias. O Congresso Americano, por exemplo, legisla, e só o Congresso legisla.

O Orador: - Está V. Exa. enganado. As realidades da vida política são diferentes. Primeiro há que considerar uni equívoco que já aqui vi insinuar. A nossa situação não pode sofrer confronto.

O Sr. Carlos Lima: - V. Exa. é que está a confrontar.

O Orador: - Nos países onde há partidos que permitem governar, os países de partidos fortes, de coesão e grande disciplina, como a Inglaterra e os Estados Unidos, nesses países, entre o Governo e a maioria da assembleia, há uma solidariedade total.

O Sr. Carlos Lima: - V. Exa. aceita, portanto, os partidos como correctivo para os males que aponta.

O Orador: - Peço perdão, mas isso é outra questão. Nos países onde há dois partidos e de forte disciplina é possível governar.

O Sr. Carlos Lima: - Parece, portanto, que a solução é boa ... ...

O Orador: - Para mim, é má, porque o regime partidário repilo-o, visto significar sempre, mesmo com os dos partidos, colocar à cabeça do Poder uma tendência que não é propriamente o espírito nacional, mas o espírito de partido (Apoiados), ao passo que nós, em Portugal, começamos por afirmar o primado da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E quando se diz na nossa Constituição que a soberania está na Nação, entende-se, realmente, que, fundamentalmente, o nosso valor supremo em política é o interesse da Nação. No entanto, o que permite é governar, e a maior desgraça para os povos está em não terem governo:

O Sr. Carlos Lima: - Mas é que sob certo aspecto pode haver duas atitudes diferentes: ou se aceita a divisão do poder político ou não. Se não se aceita, o Poder concentra-se num órgão; mas se se aceita a divisão, como acontece à face da nossa Constituição, em que há vários órgãos da soberania, necessário se torna que essa divisão seja efectiva e real, para haver coerência com o referido princípio da divisão que se dá como bom.

O Orador: - Não contesto o que V. Exa. disse, com o que estou perfeitamente de acordo. O Poder mão pode ser exercido simplesmente por um órgão, evidentemente, mios o que há é sempre necessidade de uma hierarquização, porque, ao fim e ao cabo, tem de haver sempre quem monde.

O Sr. Amaral Neto: - Nenhum de nós diz o contrário. Eu, pelo menos, e as pessoas cujas opiniões tenho ouvido estamos plenamente cientes da necessidade que há em haver uma autoridade suprema, poderosa, mas há um factor que V. Exa. esquece, ou parece querer esquecer: é que em muitos dos outros países a acção daquele está constantemente a ser temperada por uma opinião pública livremente expressa.

E em Portugal esta expressão tem de estar confiada à Assembleia Nacional, e isto deve dar-lhe uma posição ligeiramente diferente.

O Orador: - Ninguém, nega à Assembleia esse papel - ode fazer ouvir aqui a voz da Nação; mas agora pretender poderes que estão para além daquilo que legitimamente lhe deve competir é que não. A propósito das atribuições das assembleias, há frequentemente quem confunda, ainda perturbado pela mitologia revolucionária.

O Sr. Ramiro Valadão: - Mas confunde, quem?

O Orador: - 35 que muitos confundem representação com soberania, conceitos e realidades distintos e até, em certo sentido, contraditórios e, aliás, historicamente, longo tempo separados.