Gago Coutinho aceitava a orientação do eminente camonianista; mas o seu conhecimento profundo, experimentado, das coisas do mar, permitira-lhe interpretar melhor e esclarecer definitivamente a descritiva náutica do Poeta. Por isso me dizia, no principio deste mês, na última e preciosa carta que me escreveu:

Reflectindo melhor, verifiquei que os comentários de J. M. Rodrigues são o melhor que se tem leito sobre Os Lusíadas, exceptuando a versão da dupla rota.

A sua alma intemerata de lutador era também a de um homem sinceramente justo.

Passou assim desta vida para a imortalidade da glória abraçado a Os Lusíadas. Estava dentro de Os Lusíadas: era o seu último herói. Com ele se fecha, em verdade, o ciclo dos Descobrimentos.

Não vai repousar para os Jerónimos, onde certamente seria o sen lugar, porque a sua admirável simplicidade outro destino escolheu. Das suas últimas vontades extraio estas palavras impressionantes, que entendo que esta Câmara e a Nação devem conhecer.

Há quatro anos dizia numa carta ao grande amigo comandante Camilo Laroche Semedo, seu companheiro na delimitação da fronteira do Barotze, em 1914, e der pois na Comissão de Cartografia:

O jazigo que está no Cemitério da Ajuda é raso, com três lugares. Só lá falto eu. Quero para lá ir vestido como andava no mato. Os calções sempre me acompanham. Tanto para o Rio como para Paris. Foçam o funeral o mais simples possível, e de manha cedo.

E em Dezembro passado insistia, num último documento que entregou ao seu íntimo amigo António da Costa Ivo:

Repito: aqui1 confirmo a minha vontade de ficar junto dos meus pais, no Cemitério da Ajuda, saindo o corpo não de casa, mas da Capela do Arsenal.

O caixão, de pinheiro, será pobre, para caber no jazigo, onde já está o meu nome. Vestir-me-ão os calções e casaco de caqui, como atravessei a África. Tudo pobre, como nasci. Aliás, nunca fui almirante a valer, mas autentico geógrafo de campo.

Vai assim para uma campa modesta, amortalhado numa simples andaina de sertanejo, num caixão de pinho pobre, sem honras militares, o grande almirante que deu páginas de glória a uma nação; que abrasou- de entusiasmo patriótico duas pátrias irmãs; que descobriu novas rotas; que nos deu, num período perturbado e cheio de dúvidas e ansiedades, uma nova confiança nas capacidades nacionais; o homem a quem cada um de nós deve horas de alegria e de exaltação patriótica, porque juntou nova expressão ao orgulho de ser português.

Deixou-nos para sempre o Almirante da Marinha Portuguesa.

Mas não é só a Marinha que se encontra de luto, porque a Nação inteira, da gente mais humilde à mais insigne, dos bairros de Lisboa aos confins de Trás-os-Montes, .de Angola e de Timor, chora a perda do que foi entre nós o símbolo vivo da gesta heróica dos Descobrimentos, da alma marinheira da Nação.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: felicito os oradores da sessão de hoje, que tão bem deram o justo relevo à figura do almirante Gago Continuo, pela maneira como souberam compreender e traduzir o profundo pesar desta Camará.

Na certeza de corresponder ao sentimento da Assembleia, que é certamente, neste momento, o sentimento do País, vou suspender os nossos trabalhos, que continuarão na próxima terça-feira, 24 do corrente, com a mesma ordem do dia da sessão de hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados que faltaram à tendo:

Adriano Duarte Silva.

Agnelo Orneias do Rego.

Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.

Alberto Pacheco Jorge.

António Carlos doa Santos Fernandes Lima.

António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.

António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.

Augusto César Cerqueira Gomes.

Carlos Monteiro do Amaral Neto.

César Henrique Moreira Baptista.

Fernando António Munoz de Oliveira.

Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.

João da Assunção da Cunha Valença.

João Carlos de Sá Alves.

João- Maria Porto.

Jorge Pereira Jardim.

José António Ferreira Barbosa.

José Fernando Nunes Barata.

José Gonçalves de Araújo Novo.

José Guilherme de Melo e Castro.

José dos Santos Bessa.

Luís Maria da Silva Lima Faleiro.

Manuel Cerqueira Gomes.

Manuel Homem Albuquerque Ferreira.

Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.

Rogério Noel Peres Claro.

Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Urgel Abílio Horta.