O movimento nacional de há trinta anos teve de resolver certo número de problemas de ordem política, moral e económica, descurados por força de circunstâncias várias durante muitas décadas. Um deles, de natureza política, era o da agitação nos espíritos, que se traduzira em perturbações na ordem pública e dava lugar a acontecimentos que assombreavam o bom nome do País.

Muitas forças concorreram para o estabelecimento da paz interna durante as três últimas décadas, apesar de acontecimentos internacionais que abalaram gravemente os alicerces sobre que repousa o prestígio do velho continente europeu. E de todas sobressai, por sua benéfica acção nos primeiros tempos do actual regime político, a que irradiou da imposição do princípio de austeridade na vida pública e privada e da perfeita compreensão da realidade de uma pobreza de recursos financeiros demonstrada, exuberantemente e por muitas vezes, em várias crises que atingiram a própria dignidade da Nação.

Mas os tem pos mudam e com eles os gostos dos homens. É da sabedoria da história a inconstância do pensamento humano. O luto e a dor são sentimentos passageiros que se diluem quando despontam no âmago do ser humano indícios de prazeres adormecidos ou refreados pela força das realidades.

Logo que as circunstâncias apontam a possibilidade de fruição de vida mais confortável, irrompem avassaladoramente desejos e ambições, que perturbam o suave caminhar de uma paz arduamente conseguida e alteram a projecção no futuro de obra prometedora de ubérrimos resultados.

A sede do lucro, ou do gozo material, foi sempre, no correr dos séculos, um sintoma de fragilidade colectiva. Quando o Poder Público se curva ou se verga por fraqueza de princípios ou por aparente e enganadora ilusão e possibilidades materiais, que na realidade não existem, a comunidade está sujeita a flutuações de desenganos. Manter inflexivelmente os princípios que gradual e uniformemente permitem a distribuição da riqueza criada pelo esforço financeiro e económico é, sem dúvida, a política que melhor defende a tranquilidade pública e leva a progressos reais.

Toda a política deve, pois, tender a impedir condições que permitam uma desigual repartição do produto nacional, em lenta e penosa ascensão, de modo a assegurar o seu pleno desenvolvimento pelo acréscimo de consumos e a reduzir o impacto de resistências que nascem espontaneamente da mal distribuição dos rendimentos.

A crise dolorosa, e sangrenta nalguns casos, dos povos modernos em quase todos os continentes nasceu do mau ajustamento dos bens materiais às necessidades humanas e da ineficiente distribuição desses bens dentro das comunidades nacionais, ou até entre as próprias comunidades espalhadas pelo Mundo.

Nós devíamos, dobrados sobre nós próprios num momento de reflexão sobre a vida nacional - o seu passado, o seu presente e o seu futuro -, auscultar o fervilhar das nossas paixões e dos nossos anseios. Devíamos ver o que somos, o que fomos e o que pretendemos ser.

O homem na vida transitória do Mundo é um infinitamente pequeno, que se dilui na integração dos infinitamente pequenos que vieram antes e hão-de vir depois.

Ter muitos ou ter poucos bens materiais; conhecer a passageira aura da fama ou viver na obscura felicidade de não sentir invejas em sua volta; vestir ou despir as vaidades da celebridade; dobrar orgulhos, que, feridos, são dolorosos; não ser simples nem ser justo na política como na vida privada - o que é tudo isso nos homens perante a história de muitos séculos e a ascensão civilizadora através dos tempos?

A sede de ganhar muito; a tendência para usufruir o máximo de proventos com um mínimo de esforço; o querer realizar planos ou obras que se não adaptam às possibilidades financeiras e outras; os desejos de liberdades que apenas são possíveis na vaga imaginação de mundos irreais; todas as fantasias que são próprias no ser humano e necessitam de ser crivadas à luz das duras realidades da vida, tudo são ilusões que conduzem em geral ao aniquilamento de uma paz que pode ser a base de melhores dias, de mais confortável vida e de melhor equilíbrio social.

Os rendimentos e os consumos Já muitas vezes se escreveu nestes pareceres que o problema português é condicionado pela insuficiência dos rendimentos.

Os rendimentos têm directa relação com os consumos e os investimentos.

São três variáveis que se interligam e estão em estreito contacto. Tentar considerar apenas uma no conjunto de soluções para o problema nacional nunca poderá levar à melhor e mais proveitosa resultante dos esforços das actividades pública e privada.

Na base da criação de rendimentos está o produtivo aproveitamento dos recursos nacionais; na base de melhor nível de vida estão maiores e mais qualificados consumos; na base dos investimentos está o equilíbrio nos gastos, com a eliminação do supérfluo, quer se trate de obras sumptuárias, quer diga apenas respeito a consumos correntes.

Estas três variáveis, que tão poderosamente influem no bem-estar dos povos, não podem ser deixadas anàrquicamente ao sabor dos gostos de cada um, divergentes, antagónicos, ambiciosos ou obede cendo a sentimentos ou ideias que se não coadunam com objectivos ou interesses nacionais.

Daí resultaram esquemas de orientação de investimentos e de evolução de consumos que procuram harmonizar, numa suave ascensão do nível de vida, as três variáveis que influem no progresso das sociedades modernas.

O problema de harmonia não é simples, nem pode obter-se sem o estudo cuidadoso de muitas questões de natureza social e política que, no fim de coutas, se reflectem nas relações humanas e indirectamente podem afectar a paz pública, que é o mais sólido e seguro esteio do progresso de um povo.