conservar u sua posse ou ocupado ou o privilégio concedido pelo príncipe... que restem alguns vestígios da mesma obra...

Ora entre as obras supraprevistas tinham evidente lugar as pesqueiras.

Os direitos mencionados por Lobão tinham por base a chamada pré-ocupação, consagrada pelo alvará de D. Maria I, e são ainda o fundamento da maior parte das águas dos nossos rios desviadas para a irrigação e as moendas.

A nossa legislação civil respeitou esses direitos. Inclusivamente, tendo-se definido a faixa das margens sobre que impende servidão pública em proveito dos rios, pelo n.º 1.º, §§ 1.º a 3.º, do artigo 4.º do citado Decreto de 1893 se prevê a expropriação, mediante indemnização, dos respectivos direitos dos proprietários marginais, quando isso se torne necessário.

Quanto a pesqueiras, a elas se refere expressamente o vigente regulamento da pesca interior - Decreto de 20 de Abril de 1803 - quando no artigo 31.º define a competência dos directores das circunscrições hidráulicas.

No n.º 5.º desse artigo 31.º atribui-lhes a seguinte faculdade, que de certa forma corresponde à nossa alínea e) da base XII:

Proibir a construção de pesqueiras fixas de cantaria, alvenaria, pedras soltas ou madeira nas margens ou leitos dos rios, rias, esteiros e lagoas.

§ único. Será permitida a reparação e conserto de pesqueiras actualmente existentes, quando por algum motivo sejam destruídas, contanto que não seja alterado o seu plano primitivo, nem prolongadas da margem para o leito do rio, ria, esteiro ou lagoa.

Implicitamente este parágrafo é inequívoco reconhecimento dos direitos de anterior legítima propriedade sobre pesqueiras.

Mas, além destes direitos de propriedade plena, outros direitos podem existir, que dentro da sua limitação no tempo cumpre respeitar. São, por exemplo, os que possam resultar das concessões de pesca previstas pelo Decreto n.º 17 900, de 27 de Janeiro de 1930. Se as pesqueiras em causa houverem sido construídas ao abrigo de tais concessões constituem direitos que cumpre respeitar e representaria violência grave anularem-se sem compensação.

Sr. Presidente: estabelecidas estas realidades insofismáveis, volvamos ao caso em apreciação.

Pretende-se com o preceito ignorar tais realidades ou saltar por cima delas ?

Mas isso não pode ser! Moro confisco, brigaria com os princípios da não retroactividade e de que não haja expropriação, quando necessária, sem compensação equitativa; representaria alarmante postergação do direito de propriedade. Não seria muito grande, decerto, o volume económico da fórmula proposta, mas a fractura infligida a certos princípios basilares de direito pode comparar-se na sua inseparabilidade à da virgindade feminina.

De resto, estes princípios de direito natural consagrados acham-se expressos na nossa Constituição Política, marcadamente para o caso no artigo 8.º, n.º 5.º, relativo às garantias do direito de propriedade, e n.º 17.º, ao principio do direito de reparação de toda a lesão efectiva conforme dispuser a lei...».

Definir este ponto -penso- será resolvê-lo.

Assim, logicamente, proponho que tal expressão -«sem direito a indemnização» - ou se elimine da proposta, regressando a alínea e) à redacção primitivamente prevista, ou então que se redija nos seguintes termos: usem indemnização, salvo casos de direitos constituídos». De resto, nada tinham a lucrar os defensores da proposta redacção levantando casos destes perante o Poder .Judicial, porquanto os juizes seriam natura este abundasse então e se reproduzisse.

Isto nos cursos de água menores, porque naqueles que se prestavam à navegação e a flutuação começou cedo a intervenção do poder real - Afonso V, D. Sebastião, ordenações filipinas ...

É do mais esclarecedor interesse lerem-se, a esto propósito, documentos coevos. Na bem curiosa obra do Dr. Langhans sobre posturas se encontram acerca do peixe fluvial esclarecedores exemplos.

Esta translação da economia fechada para a actual só recentemente, sobretudo com a viação acelerada, se ultrapassou.

Pelo que se refere às intervenções dos municípios nas referidas pescarias, os sucessivos códigos administrativos do constitucionalismo e correspondentes posturas camarárias traduzem a decadência do interesse municipal pela fiscalização respectiva.

Ainda bastante lata a competência municipal nos primeiros, já notamos no código de 1886 as restrições consequentes ao advento do Código Civil, restrições que se agravaram com o de 1896 , consequência dos decretos de 1892, que criaram a Hidráulica. O código de 1913 ainda alude à matéria; mas o actual ignora-a, em correspondência lógica com a Lei de Aguas de 1919, que integrou as águas comuns, apanágio até então dos municípios, nas águas públicas, domínio do Estado.

A fiscalização com este condicionalismo descreveu-a já incisivamente o Sr. Deputado Lacerda, pelo sem-número de serviços públicos que na matéria interferem, agravado pelo facto de dependerem hoje de Ministérios diferentes -o que na origem, em 1893, não sucedia- à Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos e à dos Serviços Florestais e Aquícolas.

Todas essas fiscalizações inclinam, normal e burocràticamente, não a uma salubre concorrência positiva e coadjuvante, mas antes negativa, a ver o que os outros fazem.

A concentração numa só direcção-geral de tudo quanto respeita aos peixes das águas interiores representa, decerto, feliz prognóstico de progresso.

Mas isso não chega põe-se o problema de uma coordenação indispensável de fiscalização rural- para as coisas poderem convenientemente restaurar-se e não se fazer por aqui o que vai desfazer-se por ali. Eis o problema estrutural da policia rural a estudar-se - ó manes saudosos do Dr. Antunes Guimarães !