Exame na especialidade No artigo 1.º do projecto estabelece-se que «o artigo 411.º do Código de Processo Penal não é aplicável nos advogados no exercício das suas funções, devendo proceder-se quanto a eles, pelas infracções cometidas em audiência, de harmonia com o disposto no artigo 412.º do mesmo diploma».

Visa-se, essencialmente, a interpretação do citado artigo 411.º, em torno do qual recentemente surgiram dúvidas, a que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 1958, aliás tirado apenas por maioria, deu uma solução que ao problema atribuiu particular acuidade.

A questão expõe-se assim:

Na primitiva redacção dos artigos 411.º, 412.º e 413.º do Código de Processo Penal, as pessoas que assistissem à audiência sem guardarem o maior acatamento e respeito ou manifestando aprovação ou reprovação por sinais públicos, excitando tumultos ou violências e perturbando, por qualquer outra forma, o seu regular funcionamento, ficariam sujeitas às sanções do artigo 93.º: prisão até três dias, imposta sem outra forma de processo mais que a nota do facto na acta da audiência. Se a falta cometida constituísse crime, seriam autuadas e presas (artigo 411.º).

Nos termos do artigo 412.º, se os advogados ou defensores nas suas alegações ou requerimentos se afastassem do respeito devido ao tribunal ou, manifesta e abusivamente, procurassem protelar ou embaraçar o regular andamento da causa, usassem, de expressões injuriosas, violentas ou agressivas contra a autoridade pública ou quaisquer outras pessoas ou fizessem explanações ou comentários sobre assuntos alheios ao processo e que de modo algum servissem para esclarecê-lo, seriam advertidos com urbanidade pelo presidente do tribunal; se, depois de advertidos, continuassem, poderia ser-lhes retirada a palavra e a defesa ser confiada a outro advogado ou pessoa idónea, sem prejuízo de procedimento criminal e disciplinar, se houvesse lugar a ele.

E, nos termos do artigo 413.º e seu § único, se o réu faltasse ao respeito devido ao tribunal, seria advertido, e, se reincidisse, poderia ser mandado recolher, sob custódia, a qualquer dependência do tribunal ou à cadeia. O tribunal poderia fazê-lo comparecer de novo na sala da audiência para ouvir ler a decisão final ou mandar-lha comunicar à prisão. Se fosse indispensável que o réu voltasse ao tribunal antes da decisão, viria sob custódia. Se a falta cometida pelo réu constituísse infracção penal, ser-lhe-ia levantado o competente auto, nos termos dos artigos 166.º e 169.º Publicado o Decreto-Lei n.º 36 387, manteve-se em absoluto a redacção do artigo 412.º, mas o artigo 411.º ficou com o seguinte texto:

Se for cometida qualquer infracção em audiência, será levantado auto de notícia e ordenada a prisão do infractor.

§ 1.º Se a infracção for punível com pena correccional e o infractor não tiver foro especial, o Ministério Público requererá que se proceda a julgamento sumário do arguido.

§ 2.º O julgamento será feito pelo tribunal perante o qual se cometeu a infracção e imediatamente depois de terminar a audiência em curso.

§ 3.º Só haverá recurso da decisão final nos termos gerais de direito e não se escreverão os depoimentos se o julgamento for efectuado por tribunal colectivo.

Ora, porque neste artigo se alude à prática de qualquer infracção em audiência, daí se concluiu ser ele aplicável também aos advogados, podendo estes, quando acusados do infractores, passar a réus e vir a ser julgados sumariamente pelo tribunal que assim os considerou, imediatamente depois de terminar a audiência em curso.

do que se julga ser o direito.

Um advogado colocado no temor de sanções drásticas como as que o artigo 411.º impõe fica totalmente diminuído para exercer a profissão; ou se acomoda, aceita o que se lha afigura injusto, renuncia a conduzir a luta viril, e por vezes heróica, que é o patrocínio de uma causa, e então não é digno da honra de ser advogado; ou corre todos os riscos e coloca-se na situação «chocante» (para empregarmos as expressões do conselheiro Eduardo Coimbra no voto de vencido com que subscreveu o já referido Acórdão do Supremo Tribunal de. Justiça de 5 de Novembro de 1958) «de poder ser forçado a descer, acto contínuo, da sua bancada para o banco dos réus», a pretexto de que se desmandou na defesa.

Daí que muitos fujam dos tribunais criminais para não ficarem reduzidos à situação de espectadores acomodatícios e pacíficos de verdadeiros dramas judiciários.

O panorama é perturbador. Decerto não está no propósito de ninguém (e já o escreveu o actual presidente da Ordem) «sustentar o direito de qualquer advogado ofender um tribunal ou os juizes que o componham»;.mas, para evitar que isso aconteça ou para impor sanções aos que lamentavelmente o façam, não há necessidade de aplicar o artigo 411.º, visto que para esse efeito existe uma disposição própria, que é o artigo 412.º do Código de Processo Penal.

Este problema, aliás, já fora considerado, discutido e resolvido antes da publicação do Decreto-Lei n.º 36 387.

Efectivamente, na vigência, dos anteriores artigos 411.º, 412.º e 413.º do Código de Processo Penal, discutira-se se ao advogado podiam ser aplicadas as sanções do artigo 411.º quando perturbasse o regular funcionamento da audiência; e o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 11 de Novembro de 1930, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, vol. 64, p. 13, pronunciara-se sem hesitações pela negativa, com o fundamento exac tíssimo de que o legislador quisera «sujeitar os advogados a uma disposição especial», que é a do artigo 412.º

Em anotação a este acórdão, a Revista (decerto pela pena do Prof. Beleza dos Santos, autor do código, que