O Orador: - Com efeito, não se compreende a necessidade de automatizar uma solução para a qual o GoverNo já dispunha de poderes, de competência e, até, de lei própria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O simples exame dos artigos 71.º e 73.º do Código Administrativo leva-nos à conclusão de que esse preceito do decreto não passa de um pleonasmo legislativo.

Chega a ser estranho que se pretenda uma chave para abrir uma porta que está aberta! É claro que a dialéctica dirá que se desejou exactamente fechar uma porta.

Mas raciocinar assim é descrer da capacidade e da coragem das entidades superiores e é, sobretudo, esquecer as flutuações das circunstâncias e das hipóteses e a flexibilidade de que devem revestir-se as soluções políticas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A renovação não é um fim, mas um meio de atingir o objectivo de melhorar. Por isso, no caso dos presidentes das câmaras, só uma indagação vertebrada e minuciosa, através dos órgãos políticos qualificados e das entidades próprias, poderia justificar a medida drástica contida no decreto.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E sempre essa avaliação teria de processar-se dentro de um critério casuístico que ouvisse e atendesse os anseios dos povos, os quadros locais e, até, a arquitectura política dos concelhos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O presidente da câmara tem de ser a síntese destes factores convergentes, porque é a chave de todo o nosso sistema e, por consequência, a pedra basilar de toda a possível irradiação política.

Renovar por renovar, abrangendo nesta nivelação presidentes que serviram bem, com eficiência e devoção, é um impulso teórico, divorciado das «duras lições da experiência» e das nossas próprias preocupações políticas.

De resto, o decreto, ao abrir uma crise de dezenas e dezenas de dirigentes em todo o País, está em contradição com as palavras reflectidas do Sr. Presidente do Conselho, que, ainda em Julho de 1958, reconheceu e anotou a «deficiência geral de dirigentes com que lutamos em todos os sectores».

A volúpia do renovação, de que o decreto se fez eco, não atendeu às realidades políticas e, por isso, não trouxe apenas inconvenientes, mas também verdadeiros riscos.

Em primeiro lugar, a omissão de relatório no decreto privou-nos da generosidade de um a explicação das teorias, intenções e esperanças do legislador.

O facto só tem interesse por ter dado origem a interpretações capciosas, que chegaram a descair na imputação de cobardia política do Poder.

Depois, não se considerou que para a presidência das câmaras há cada vez maiores dificuldades de recrutamento, filiadas nos tarefas absorventes do município, incompatíveis com uma actividade política e administrativa não profissionalizada e derivadas também da crise de escol dos meios locais já assinalada pelo Prof. Marcello Caetano.

Diante das arrelias, obstáculos e incompreensões que o decreto, sem necessidade, veio criar a muitos de nós - a todos quantos têm de actuar no plano regional e vencer estas dificuldades em que os comandos são tão pródigos - não quero chegar à irreverência de perguntar, glosando o Prof. Lopes de Almeida, se haverá quem julgue que os presidentes das câmaras se fabricam nas Caldas!

Mas o aspecto mais grave de tudo isto resulta da inoportunidade flagrante da medida adoptada. É que o decreto, ao renovar um número apreciável de presidentes das câmaras, implicitamente remodelou orientações, alterou influências, abalou estruturas concelhias. Toda a gente sabe que a linha de uma administração municipal é desenhada e depende do seu presidente, em virtude das largas e essenciais atribuições que de direito e de facto lhe competem.

Ora um presidente da câmara não se improvisa. Há-de estruturar a sua própria orientação nas várias, diferentes e, por vezes, inúmeras freguesias; há-de penetrar em todos os ramais humanos do concelho; há-de alargar, progressivamente, a influência da sua autoridade política e social aos mais longínquos recantos.

Isto, porém, no que significa criação de estruturas e até de projecção pessoal, é o resultado de uma elaboração lenta e de um conhecimento mútuo, necessariamente demorado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Acresce que o cargo, rodeado de agruras e premido pela escassez de recursos financeiros e técnicos, não é propício a treinar dirigentes, mas sim a queimar dirigentes.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não foi sem uma parcela de verdade que eu, há tempos, num julgamento em que se pretendia visar um presidente da câmara, sustentei haver duas funções que não gostaria de desempenhar: a de presidente da câmara e a de árbitro de futebol!

E creio que estas linhas de caricatura têm algumas gotas de realismo...

Mas, Sr. Presidente, talvez o decreto tenha procurado despedir, sem suscitar melindres, gente que merecia substituição.

Vozes: - Muito bem!