O Orador: - Nada direi sobre esta nova fórmula de doçura política.

Simplesmente recordo que antigamente os governantes mediam-se pela maneira pessoal como defrontavam e venciam os problemas da sua jurisdição e pelo tacto e habilidade de que davam provas.

Agora, diante das dificuldades ou casos delicados, carrega-se no botão e aparecem pílulas legislativas que tudo aplainam.

Já não se resolve, decreta-se. E, todavia, mecanizar as soluções é perder a noção do conteúdo pessoal e humano de toda a actividade política.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O pendor da lógica levar-me-ia u conclusão de que, se há necessidade de treinar dirigentes, esse treino tem de abranger, pelo que se vê, todos os escalões, mesmo os mais altos.

Sr. Presidente: já foi focado nesta Assembleia em termos vivos, pelo Sr. Dr. Homem de Melo, o que a vaga de demissões dos presidentes das câmaras representava de injustiça para tantos que se devotaram à vida pública do País, alheios a sacrifícios e prejuízos e superiores a amarguras, a incompreensões e, até, neste momento, bem superiores ao fel da ingratidão.

Eles surgem à minha imaginação como sobreviventes, como homens moldados no estilo moral de outras épocas, visto que hoje parece viver-se outro ciclo: o ciclo da moral atómica!

Mas não reivindico para esses homens aquela meia dúzia de palavras que, com sabor de epitáfio, tornam tão insossas e fatigadas as portarias de louvor.

Quero apenas deixar a todos quantos serviram com eficiência e isenção uma palavra de apreço e de solidariedade. Não posso esquecer que no número destes servidores estão altos valores que me habituei a ver nas primeiras linhas desta Assembleia e sempre na vanguarda das nossas fileiras.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Em face desta, injustiça é forçoso afirmar que a linha de renovação anunciada há tempos está distorcida e desfocada.

O que é preciso rever e renovar são certos aspectos que se prendem com a ética do regime e que -todos o sabemos- desanimam qualquer tentativa de persuasão política. São, exactamente, aqueles pontos abordados nos últimos requerimentos do Sr. Dr. Carlos Moreira e agora visados frontalmente no projecto de lei do engenheiro Camilo de Mendonça.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É no capítulo das acumulações, dos vencimentos principescos, das gratificações das empresas económicamente ligadas ao Estado que é preciso reformar, varrendo definitivamente esse clima de devorismo.

Vozes: - Apoiado!

O Orador: - Quando ouço certa gente qualificada fazer reclamo de esforços ou invocar sacrifícios, na ânsia de denegrir ou esvaziar críticas lúcidas e certeiras, já sei que todo esse sacrifício e esforço se resume em conseguir tempo para assinar os recibos de sucessivos cargos ou conselhos de administra cão.

E é neste ângulo, a que já uma vez chamei a toxicologia do regime, que tem de processar-se e singrar a verdadeira renovação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Chega, pois, a ser estranho que alguns responsáveis políticos, em vez de afirmarem o propósito de corrigir, pretendam, publicamente, justificar, ou atenuar, estas sombras, aliás confundindo combatividade com grosseria e ressuscitando uma linguagem há muito excluída do vocabulário político!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - As entidades superiores não podem impor-nos certos dirigentes que, aos nossos olhos, só têm autoridade económica, mas não tem autoridade política, isto é, que não aceitamos, nem respeitamos.

Sr. Presidente: diante dos defensores do Regime que pretendem, com as mãos lavadas e o coração limpo, construir o futuro, levanta-se uma nova cidade de Cartago, onde se refugiam os egoísmos, os desvios e as ambições políticas e económicas de alguns devoradores.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É neste aspecto que queremos a verdadeira renovação, ainda que para rever e edificar seja preciso repetir, com firmeza e intransigência, a voz eloquente do passado: Delenda est Cartago.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à outra parte da ordem do dia: a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Ferreira Barbosa, sobre organismos de coordenação económica.

Tem a palavra o Sr. Deputado Dias Rosas.

O Sr. Dias Rosas: - Sr. Presidente: não é sem alguma preocupação que intervenho neste debate. Efectivamente, tenho feito a minha vida profissional ao serviço do Estado e, desde há largos anos, ela tem estado ligada à vida dos organismos de coordenação económica.

Esta circunstância levou-me a ponderar na oportunidade e legitimidade da minha intervenção na discussão em causa. Em problemas de tão grande importância na vida política e económica do País não admito, porém, que alguma, vez se pense que a posição das pessoas pode ser aferida por qualquer consideração pessoal; e é antes o desejo de poder contribuir para a análise do problema em debate com o produto de alguma experiência vivida preocupadamente no seu estudo que me decide a pedir agora a palavra.

Sr. Presidente: o Sr. Deputado Ferreira Barbosa, ao fazer este aviso prévio acerca da existência e funcionamento dos organismos de coordenação económica, trouxe à apreciação e discussão da Assembleia um ponto de dou trina e de política económica, cuja relevância no complexo das funções do Estado e na vida da Nação aviva a gravidade da incerteza da situação e do destino da organização corporativa em face das exigências da intervenção do Estado na vida económica moderna.

Este me pareceu o mérito do aviso, na medida em que chama a atenção para a necessidade de ser definida de vez doutrina que torne clara a política do Governo e indique à organização corporativa o âmbito da sua acção.