Há todavia, um outro aspecto que importa assinalar para bem se poder compreender o mérito da função representativa da organização corporativa e da aceitação que possa encontrar na opinião pública: é o que se refere à persistência de um duplo sistema de criação dos organismos corporativos gremiais, donde decorrem condições de vida e de projecção na política económica bastante diferentes.

Uns, de criação facultativa, que pouco mais tem feito do que catalogar empresas e cobrar quotas - está deles completamente ausente, na generalidade dos casos, a expressão política da sua voz representativa; outros, do criação obrigatória, que, para além da sua actuação representativa, têm em muitos casos funcionado realmente como instrumentos da acção estadual.

Ora, esta dualidade não pode continuar, ainda quando de início o Governo tenha querido utilizar estes últimos como instrumentos seus, inclusivamente pelo processo heterodoxo do comando dos seus órgãos directivos.

A ma nutenção desta situação nega a autonomia que, entre nós, se diz ser apanágio da organização corporativa. Por isso, o relatório daquele diploma, em via de publicação, a que já se referiu, em intervenção nesta Câmara, o Sr. Deputado avisante denuncia o propósito de fazer cessar certas funções destes organismos que manifestamente devem estar fora do âmbito normal da sua actuação.

Por tudo isto parece bem claro que deve ser no revigoramento da sua função representativa e na definição das normas de disciplina profissional que devem encontrar a sua mais forte expressão política os organismos corporativos. E, para que assim seja, há que defender a autenticidade da representação corporativa e os desvios a que a pode levar uma exagerada presença estadual, e há que encaminhar o funcionamento dos organismos no sentido de estabelecerem as normas da disciplina das actividades neles organizadas, definindo-se princípios de deontologia profissional e condições gerais do seu exercício, e reforçando-se neste aspecto a, autoridade institucional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Isto implica, sem sombra de dúvida, a mais estreita colaboração entre os sectores governamentais da economia e das corporações.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Santos da Cunha: - Estava a seguir com toda a atenção o raciocínio de V. Ex.ª Julgo que, apesar de apoiar a linha de pensamento de V. Ex.ª quanto a função que deve ser dada aos organismos para se criar una verdadeira autenticidade de representação da organização corporativa, V. Ex.ª devia completar o seu raciocínio com outra face importantíssima do problema. É que é necessário que as instâncias oficiais estejam atentas com igual autenticidade ao sentido representativo da organização. Quer dizer: não basta que os organismos tenham esse sentido; é preciso que sejam escutados ...

O Orador: - V. Ex.ª Sr. Deputado, é muito vivo na sua intervenção, como, aliás, sempre. E isso leva-o a antecipar-se, impondo-me um método de raciocínio que não é o meu. Portanto, se tiver um bocadinho de paciência, lá chegaremos. O meu método de exposição é um pouco diferente, e gostaria de continuar a dominá-lo e a segui-lo.

E quanto às corporações ? Que posição e que atribuições devem assumir, de acordo com a nova lei que permitiu a sua institucionalização? E que luz nos pode trazer o ponto de vista doutrinário e político?

Quando nos detivemos na análise da função que a Constituição impõe ao Estado de intervir na vida económica da Nação com objectivos definidos, insistimos, propositadamente, em que a natureza desses objectivos impunha a criação de instrumentos de intervenção que servissem à coordenação dos sectores económicos ao longo de todo o ciclo produtivo - agrícola, industrial e comercial.

Cabe agora tirar desta conclusão uma primeira consequência. A institucionalização horizontal das corporações, segundo a função economia -comércio, indústria e lavoura- estabelecida pela Lei n.º 2086, de 22 de Agosto de 1956, tornou a sua estrutura e as condições do seu funcionamento normal desde logo inadequadas ao desempenho de atribuições que supõem órgãos de intervenção económica capazes de abranger todo o ciclo da produção.

É certo que se prevê que possam funcionar conjuntamente secções de diversas corporações. Mas este é já um processo excepcional de funcionamento que não se concilia com uma actuação permanente.

Por outro lado - e isto é da maior importância para o exame deste problema-, esta nova lei das corporações revogou uma primeira - o Decreto-Lei n.º 29 11