tão-sòmente em vista traçar um singelo apontamento sobre umas questões, fruto de alguma reflexão sobre razões e argumentos já aqui agitados e postos à luz.

O parecer da Câmara Corporativa constitui, sem dúvida, alguma, um trabalho notável, concebido sob uma forma atraente e estruturado à base de uma lógica viva e penetrante.

Vê-se bem que aos efeitos rebuscados de sofística barata, se proferiu nele a naturalidade desprendida da argumentarão própria de quem com seriedade se esforçou, através de uma inteligência aguda, por chegar a uma solução, ainda que porventura discutível.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Muito bem!

O Orador: - Com sincero gosto faço esta constatação, por tudo e até porque, infelizmente, não é rara, em emergências diversas, a preocupação deformada e deformadora de, à força de montes de razões sem qualquer ponta de razão, se procurar impingir ao próximo, sem o menor respeito pela sua inteligência, os pontos de vista mais inconsistentes e inaceitáveis.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Aflora o parecer diversos problemas, como o da unidade ou dualidade de magistrados municipais e o da forma de designação dos presidentes das câmaras, problemas esses, sem dúvida, dignos de cuidado estudo e atenta meditação, mas que o próprio parecer afasta, e bem, com o fundamento de estarem, pelo menos de momento, fora de causa.

Por isso, e porque a presente intervenção foi decidida um tanto tardiamente, cingir-me-ei, nas subsequentes considerações, à questão central que realmente cumpre discutir e que, segundo penso, pode formular-se assim:

Deve manter-se o princípio consignado no Código Administrativo da livre recondução dos presidentes das câmaras, sem qualquer limite ao número de reconduções, ou, ao contrário, devem ser estabelecidas restrições a esse princípio, ainda que porventura menos radicais do que a constante do Decreto-Lei n.º 42 178, que fixa como limite máximo o de duas reconduções?

Estes, em resumo, os termos da questão.

Segundo se acentua no parecer, o nosso colega Dr. Homem de Melo, partindo do pressuposto de que o lugar de presidente da câmara constitui um cargo de confiança política, confiança cuja subsistência ou insubsistência não é, evidentemente, função de fixação de prazos, concluiu no sentido da inadmissibilidade de limites à sua livre recondução.

Analisando esta posição, vinca-se no parecer que, a ter-se como exacto o ponto de partida - ser a presidência da câmara um lugar do confiança política - dado como bom pelo nosso colega, implicaria ele, como consequência, não apenas a inadmissibilidade de restrições à recondução dos presidentes, consoante se pretende, mas também e desde logo, em primeira linha, a própria inadmissibilidade do princípio da sua nomeação por um período determinado.

O Sr. Pinho Brandão: - Muito bem!

apenas implica essa nomeação temporária, não exigindo ainda, como pretende o Dr. Homem de Melo, que a possibilidade de recondução não tenha limites.

Quer dizer, o parecer, a partir da configuração jurídico-administrativa com que se apresenta o presidente da câmara, mais precisamente, a partir da circunstância de a esse cargo ser inerente, além do mais, a representação dos interesses locais, infere duas conclusões, uma positiva e outra negativa, a saber:

1.º A lógica do nosso sistema administrativo exige que a nomeação dos presidentes das câmaras seja feita por período determinado;

2.º Não impõe essa lógica que a possibilidade de recondução seja livre, e, portanto, comporta o estabelecimento de limites a tal recondução, comporta, de um modo especial, a proibição de que tenha lugar para além de um certo número de vezes.

Aceito como boa a primeira conclusão, mas não hesito em repelir a segunda.

Será, efectivamente, exacto que o facto de o presidente da câmara ser também um representante da comunidade municipal faz com que se não imponha, no plano doutrinal, a inadmissibilidade de um limite de tempo à recondução, antes se compadecendo com o estabelecimento desse limite?

Reconhece o parecer que o princípio da livre recondução é inteiramente comportado pelo pressuposto de que o presidente da câmara também é um órgão de representação de interesses locais. Na verdade, todo o esforço de construção que nele se faz não é no sentido de excluir das soluções possíveis, adentro da lógica do sistema, a livre recondução, mas apenas no sentido de demonstrar que não é essa a única solução reconduzível à ideia de que o presidente da câmara também representa a comunidade local. Como já acentuei, sob este aspecto, a conclusão do parecer é meramente negativa.

Mas se o parecer, olhando o presidente da câmara como órgão representativo da comunidade local, reconhece, por um lado, que o princípio da liberdade de recondução tam bém é possível e se olhando-o como magistrado da confiança do Poder Central, aceita, por outro lado, que a conclusão logicamente necessária é a dessa livre recondução, de concluir é ser esta a única solução doutrinalmente correcta, dado ser a única que, não entrando em conflito com a sua qualidade de órgão local, se harmoniza simultaneamente com a sua qualidade de magistrado administrativo.

Compreendia-se que o parecer, aceitando, como aceita, que o facto de se tratar de um cargo de confiança política implica logicamente a possibilidade de livre recondução, afastasse, no entanto, tal conclusão mediante a alegação de que sendo simultaneamente o presidente da câmara, consoante entende, antes de mais e acima de tudo, um representante da comunidade local, esta outra qualidade é incompatível com a ausência de Limites à recondução.

Vozes: - Muito bem, muito bem!