Invoco três motivos que justificam esta intervenção: a solidariedade com posições defendidas nesta Assembleia noutras legislaturas, um princípio de humanidade e um escrúpulo de patriotismo.

A prostituição é uma forma odiosa de escravatura.

O preâmbulo da Convenção Internacional de Dezembro de 1949, votada na 4.ª Assembleia Geral da O. N. U., declara expressamente que a prostituição e os malefícios que cercam o tráfego de seres humanos com o fim de a servir são incompatíveis com a dignidade e o valor da pessoa humana, pondo em perigo o bem-estar do indivíduo, da família e da comunidade.

A situação em Portugal continental, não obstante a publicação, em 9 de Agosto de 1949, da Lei n.º 2036, coloca-nos em posição menos honrosa no conjunto das nações.

Quando há anos apareceu o famoso livro de Maxence Van der Meersch Femmes à l'Encan o nosso sentimento patriótico considerou-se, ferido por o escritor nos igualar, em suas exclamações, ao Oriente e à Argentina.

Mais recentemente, também em publicação estrangeira (cf. o estudo de Odette Philippon «Connaissance de la Prostituition», in n.º 9 de Recherches et Débats). Portugal figurava, na companhia de outros países ou territórios - Albânia, Arábia Saudita, Bihar (Índia), Bolívia, Camboja, Camarões, Chile, Colômbia, Coreia, Costa Rica, Equador, Eritreia, Etiópia, Guatemala, Iraque, Laos, Líbano, Marrocos, Martinica, Nicarágua, Bengala (Paquistão), Somália, Sião, Uruguai, Vietname, etc.. -. como não tendo ainda abolido as casas de prostituição.

Creio ser verdadeira a afirmação de que o nosso país é actualmente o único na Europa onde existe prostituição regulamentada (cf. a tese apresentada, ao IV Congresso das Misericórdias pelo Dr. Francisco Brandão e D. Maria de Jesus Lamego, «Estado Actual da Prostituição em Portugal»). Acresce, de resto, que o Decreto n.º 39 606, de 9 de Abril de 1954, estendendo ao ultramar o disposto na base XXV da Lei n.º 2036 e proibindo em todas as províncias ultramarinas o exercício da prostituição, proporcionou a estas parcelas do território nacional uma solução que desde o tempo de Ricardo Jorge se vem desejando para a metrópole.

Não nos inflama a ingenuidade de acreditar que a prostituição é um mal evitável. Estamos, contudo, convencidos de que o problema, tal como se apresenta entre nós, permite ainda concluir pela existência de graves focos de infecção moral e sanitária, com suas consequências de delapidação de energias sociais e miserável exploração de seres humanos.

Cabe aqui o que se escreveu em 1944 no parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto de estatuto da assistência social: a luta contra o tráfico das brancas - no sentido lato da palavra, não queremos referir-nos apenas ao negócio de exportação de mulheres, mas a toda a actividade para a sua perdição - incumbe ao Estado.

Ora, decorridos mais de dez anos. a orientarão a que a base XV da Lei n.º 2036 parecia dar vida ficou quase restrita a um gesto envergonhado de boa vontade.

Mas merecerá, na verdade, este problema as atenções públicas?

Realizou-se em 1950 (cf. Tovar de Lemos, Inquérito acerca da Prostituição e Doenças Venéreas em Portugal) um cuidado inquérito sobre a prostituição no nosso país. Com as naturais limitações que uma indagação desta natureza comporta, passamos a transcrever alguns números que indiciam, ao monos, tendências cujo significado não nos parece despiciendo.

O mapa que se segue poderá ser um ponto de partida na análise:

Restringindo-nos à prostituição organizada, verifica-se que o número de toleradas no País, em algumas épocas, era o seguinte:

A comparação nos anos de 1940 e 1950 permite concluir ter diminuído o número de toleradas para todo o País, embora se tenham verificado agravamentos em algumas regiões: