Este facto resulta, por um lado, da Lei n.º 2036 e, por outro, do fenómeno, já apontado no parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei relativa à luta contra as doenças contagiosas, da diminuição que há anos se vinha operando nos registos policiais, com uma contrapartida no aumento de clandestinas. Desta realidade tirava a Câmara Corporativa argumento para minimizar a utilidade da imposta vigilância sanitária.

Verifica-se, aliás, que a concentração se opera em grandes centros ou zonas a que a existência de particulares condições sociais empresta significado (cf. o estudo do Dr. Adérito Sedas Nunes «Luta contra a prostituição», in Boletim da Assistência Social n.º 121):

Poderemos, em conclusão, estabelecer uma relação entre a população presente em 1950 e o número de toleradas (cf. o estudo citado do Dr. Sedas Nunes):

A situação de algumas regiões do País, abstraindo mesmo do generalizado fenómeno de prostituição exercida por conta e risco pessoal, exigirá ainda hoje as medidas que a lei publicada em 1949 permitia esperar.

Convirá indagar da origem social desta gente, capacidade e habilitações que possuem.

Recorremos, para isso, a uma amostragem fundada em inquérito a 395 prostitutas entrevistadas pelo serviço social (cf. a tese do Dr. Francisco Brandão citada). Dessas 395 mulheres, 327 eram solteiras, 55 casadas 10 viúvas e 3 divorciadas.

O seu grau de instrução patenteava-se assim: 229 analfabetas; 68 sabiam ler e escrever; 46 tinham a 3.ª classe; 47 haviam feito a 4.ª classe e 5 possuíam o 2.º ou 3.º ano do curso dos liceus.

As idades das entrevistadas escalonavam-se como se segue: 3 com 16 anos; 10 com 17 anos; 80 com 18 a 21 anos; 123 com 22 a 25 anos; 81 com 26 a 30 anos; 55 com 31 a 40 anos; 30 com 41 a 50 e 13 com mais de 50 anos.

É igualmente elucidativa a sua proveniência, no que respeita a profissões desempenhadas: 285 criadas de servir; 20 operárias; 24 costureiras; 10 vendedeiras; 10 trabalhadoras rurais; 20 com profissões diversas e 20 sem profissão.

Toda esta gente é de modesta origem social, pesando nos números apurados o grupo das menores (93), as analfabetas e as criadas de servir.

Todos reconhecem o que existe de anormal e chocante na prostituição das menores (cf., por exemplo, Dr. Le Moal, «La Prostituée Mineure», in Recherches et Débats, cit.). Ora, não obstante a Lei n.º 2036 ter proibido novas matrículas e a abertura de novas casas de toleradas (base XV), n certo é que a manutenção das casas existentes conduz à renovação do respectivo pessoal. Verifica-se, contràriamente ao espírito da lei, que algumas casas de toleradas funcionam hoje com um número reduzido ou mesmo nulo de matriculadas, sendo a maioria, dos seus efectivos constituído por clandestinas. Rusgas efectuadas têm surpreendido a existência de muitas menores. Como não há legislação que permita actuar energicamente contra os exploradores da prostituição e dado que continuam abertas as casas existentes ao tempo da promulgação da Lei n.º 2036, a eficácia dos propósitos repressivos é nula, até porque as multas que se aplicam são irrisórias.

A presença numerosa de criadas de servir liga a prostituição no problema, hoje tão debatido, da insuficiência quantitativa e qualitativa de servidoras domésticas. Tudo isto está relacionado com o egoísmo de muitos patrões, a ingenuidade ou falta de formação das raparigas, os efeitos perniciosos do desenraizamento e a ausência de meios jurídicos e sociais que as protejam ou permitam recuperar.

Tal problemática sugere uma resposta mais ampla às principais razões da prostituição, o que interessa, fundamentalmente, para discutir os meios de combate ao vício.

A prostituição radica, além do mais, em causas:

De ordem individual (factores físicos, que especìficamente interessam à medicina, e factores psicológicos, revelados, por exemplo, em tendências atávicas ou psicopáticas, marcados pelo peso de uma hereditariedade a que não é estranho o alcoolismo ou pelo traumatismo psíquico de uma infância desgraçada);

De ordem familiar (desintegração das famílias, exemplos desmorallizantes, insuficiência no alojamento, miséria económica, falta de afecto);

De ordem económico-social (salários baixos, promiscuidade nos bairros habitacionais, escândalo nos lugares de trabalho, desenraizamento, perversidade do clima social, ausência de sanções enérgicas contra os exploradores da prostituição);

De ordem cultural (ignorância das provincianas, falta de uma sólida educação sexual da juventude, preconceitos de higiene social, atraso cultural genérico e ausência de um sentimento público de educação cívica);

De ordem moral (decadência do sentimento religioso, insuficiência na prep aração religiosa das populações oriundas do campo, ambiente pornográfico, decadência dos costumes).

Vale a pena cuidar, ainda que brevemente, em alguns destes aspectos.