Mal cuidam e mal julgam os que imaginem que nos move qualquer espírito de hostilidade ou de imolação.

Se assim pensarem, a afronta atinge por igual o próprio Governo, pois - não é demasiado repeti-lo - a Assembleia Nacional pouco mais faz agora do que confirmar e actualizar o que o Governo decretou há 20 anos e confirmou há 12; e, até por isso mesmo, é digna de estranheza a circunstância singular de então, isto é, no momento próprio, nenhumas vozes de protesto ou de crítica se terem erguido.

Ficou bem traçado, na impressionante unanimidade de opiniões expressas neste brilhante debute, o caminho a seguir.

Exemplo certamente raro na história parlamentar do País em casos, como este, revestidos de inegável melindre, por colidirem com interesses de que, em geral, os beneficiários não se dispõem facilmente a alhear-se.

Sr. Presidente: foi, pois, marcada, clara e expressamente, a nossa posição; mas, embora sem a renegarmos, conveniente era o Governo marcar a sua perante tão importante problema.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- E, realmente, o Governo fê-lo, no fim da discussão na generalidade, pela voz autorizada do Sr. Prof. Doutor Mário de Figueiredo, a quem nesta oportunidade presto a minha homenagem devida à sua integridade e à, sua dedicação à causa pública, tantas vezes revelada.

O Governo - disse o Sr. Prof. Doutor Mário de Figueiredo - entende não dever tomar posição sobre as questões postas no projecto, em primeiro lugar por elas traduzirem um certo conceito de moralidade da administração pública; isto é. neste aspecto, se bem compreendo, o Governo está connosco, pois, afinal, como nós reconhece que o projecto reveste uma importante feição moral irrecusável.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Peço desculpa, mas eu não disse isso.

O Orador:- Estou a interpretar ou tirar conclusões do que V. Exa. disse.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu disse que o Governo não tomava posição por várias razões, e uma delas era a de que as questões postas no projecto o são em termos de traduzirem um certo conceito de moralidade nu administração pública, além de que não lhe era possível medir os reflexos que o projecto podia vir a ter.

O Orador: - Já vamos ao segundo ponto.

O Sr. Mário de Figueiredo: - O que não se pode, de maneira nenhuma, é concluir que o Governo está contra ou a favor do projecto.

O Orador: - Eu disse que o Governo estava connosco, no fundo, no ponto que entendeu que se punha uma questão moral relacionada ou ligada com a administração pública.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Não vale a pena insistir, porque nau é isso o que eu quis dizer nem o que disse.

O Orador: - As palavras de V. Exa., que vieram reproduzidas na imprensa, são estas:

O Governo entende não dever tomar posição sobre as questões ...

O Sr. Carlos Moreira: - V. Exa. tem as palavras no Diário das Sessões n.º 170, de 23 do corrente.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Se V. Exa. as lesse, para ficarmos todos elucidados, agradecia-lhe muito.

O Orador: - Eu leio:

O Governo, desde que as questões postas no projecto o são em termos de traduzirem um certo conceito de moralidade na administração pública...

O Sr. Mário de Figueiredo: - isto não quer dizer, portanto, que o Governo se tenha pronunciado no sentido de que se trata de um caso de moralidade; o que entendo que o projecto de lei è apresentado como exprimindo um certo conceito do moralidade na administração pública. É uma coisa diferente de que dizer que o Governo concorda com o projecto ao pressupor que está em jogo a moralidade pública.

O Orador: - Creio que a minha interpretação é favorável ao Governo. Interpretando assim, julgo que lhe faço justiça neste ponto, isto é, supondo-o de acordo connosco no aspecto moral da questão.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Nada o autoriza a julgar assim. Expressamente, disse que o Governo entendo não tomar posição sobre as soluções do projecto.

O Sr. João do Amaral: - V. Exa. está a tirar conclusões do silêncio de alguns, que podem não ter interesse pela questão em causa. Por mim, o problema não me interessa absolutamente nada.

O Sr. Carlos Lima: - Mas é na tribuna que se tomam e defendem as posições.

O Orador: - É pena que V. Exa., Sr. Dr. João do Amaral, não se tivesse manifestado com a sua incontestável autoridade. Já disse que não houve uma voz que só erguesse para combater o ponto de vista sustentado por todos os oradores.

O Sr. João do Amaral: - V. Exa. não está autorizado a tirar conclusões do meu silêncio.

O Orador: - Estava a tirar conclusões do silêncio do Governo ...

Mas continuemos.

Em segundo lugar, o Governo não se julga habilitado a medir as consequências que as soluções adoptadas podem traduzir na vida económica do País. Mas por esta declaração não podemos ser levados a concluir que o Governo estabelece o primado do económico sobre o moral. Longe de mim tal ideia.

E assim, sem exprimir um juízo sobre o que poderia ser solução mais adequada, o Governo deixa à consciência de cada um o determinar-se.

Sr. Presidente: aqueles a quem a cobiça não desvaira formam, graças a Deus, a grande maioria, e, nestes, ao espírito de ganância, à sedução da riqueza e à tentação do sumptuário ou supérfluo sobrepõem-se o estímulo do bem comum, o lírio, o pundonor, o anseio de bem servir e enfim, o amor ao trabalho, a que abnegadamente devem consagrar-se, mais na ânsia de cumprir do que na sofreguidão de receber.

E será injurioso imaginá-los capazes de fácil deserção, como se de grevistas se tratasse, pelo facto de a lei impor mais sobriedade nos proventos. Todos nós conhecemos muitos dos interessados, e entre eles temos