São, na verdade, esses modestos funcionários os que estabelecem a linha de contacto entre a civilizarão e a barbárie; ao seu zelo, diligência e patriotismo se confia, o rompimento dos caminhos que hão-de conduzir as populações desde a primitividade das usanças gentílicas até ao reconhecimento dos valores da cultura nacional. É, efectivamente, o chefe de posto quem mais de perto lida com as populações, nativas. Ele as ensina a conhecer e a respeitar a nossa bandeira; ele lhes instila a disciplina do trabalho; ele assegura a paz nas aldeias e assegura a justiça.

Longe, no posto remoto que parece perdido no mato, o posto administrativo, onde sempre há agasalho e hospitalidade para quem passa, parece às vezes uma verdadeira missão. Nào é raro que a esposa ajude o marido no cumprimento do seu dever: quantas vezes ela serve de enfermeira, e vai às sanzalas, e aconselha, e consola, e cura feridas, e protege crianças desamparadas! Os filhos - criam-se por ali, a brincar com as crianças negras, durante os anos da infância o durante os mais em que não podem frequentar a escola, que fica sempre longe dos postos do interior. Criam-se, e às vezes finam-se, agonizando nos braços dos pais - longe de todos os recursos e possibilidades de salvação que o conforto da cidade oferece. De tudo isto, do heroísmo dos homens, do sacrifício das mulheres, do martírio das crianças, dos dramas da solidão nas épocas de chuvas, de tudo isto quem conhecer a nossa África há-de saber de exemplos reais e impressionantes. E tudo são coisas que hoje me parece oportuno lembrar, porque são outras tantas dívidas em aberto que a consciência nacional não permitirá fiquem por saldar.

Eu sei que há desvios desta linha de conduta, sei também que, por uma tendência que não é só nossa, os defeitos soam mais facilmente que as virtudes. Ouvem-se frequentemente críticas, apontam-se maus exemplos. E verdade que entre os homens que passaram ou ainda se mantêm nos quadros alguns há que os rapazes que a esta hora, quase sós, nos recessos de Angola, todas as madrugadas mandam erguer ao alto a nossa bandeira. Penso nos meus alunos, que amanhã irão substituir os que nestes dias têm caído nos seus postos. Penso nos rapazes que não recuaram diante de nenhum perigo - nem sequer o de navegar numa embarcação refugiada que levava a bandeira belga e os conduziu de Cabinda a Sazaire, a poucas milhas da costa do congo,para irem acender em frente ao padrão do primeiro português que pisou terra de Angola as dezassete achas que significam as suas vidas - gesto de juventude que é talvez o mais belo a que em minha vida assisti e com o qual esses rapazes quiseram dar testemunho de que, escolhendo a carreira da administração no ultramar, esperam consagrar a sua mocidade e a sua vida inteira ao serviço da Pátria no além-mar português.

Meus senhores: sou dos que firmemente crêem que não é com palavras, mas com acções, que poderemos enfrentar a situação que cobiças e aleivosias, vindas donde tínhamos o direito de esperar apoio e lealdade, nos está sendo criada no além-mar.

Eram dificuldades previsíveis; e, apesar de graves, não temos dúvidas de que havemos de superá-las.

Estamos sós? Aos Portugueses nunca os ensombrou o temor da solidão. Foi assim, sós, intrepidamente sós. que praticámos todas as coisas grandes na nossa história.

Nós nunca fomos muitos. Mas enquanto fomos todos, nós fomos sempre bastantes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A unidade me parece, pois, o primeiro imperativo deste momento histórico. Uma unidade sem reservas, sem condições e sem mas, com puro e leal desejo de servir, sem invocação de artifícios, que no fundo se repercutem em quem os faz, ou que se não sabe distinguir entre o que é grande e o que é pequeno, ou que se pretendem aproveitar as razões grandes para satisfazer pequenos e ocultos desígnios do cupidez ou de mando. A unidade que é precisa não é a das palavras, dos arranjos, das fórmulas conciliatórias, mais ou menos hábeis: é a unidade dos actos, a unidade que acima de tudo se exprime na resolução de permanecer, de combater, de obedecer.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Silva Mendes: - Sr. Presidente: muito se tem falado è escrito a respeito da situação de Portugal nas suas províncias ultramarinas, e nesta Assembleia também vozes autorizadas e competentes se ergueram para definir a posição de Portugal perante os ataques de que estamos sendo vítimas. Parece que nada mais seria necessário dizer depois de tantos e tão ilustrados políticos, oradores, jornalistas e escritores terem demonstrado, com sólidos argumentos, a razão que nos assiste e os erros dos que nos atacam e criticam e até dos que, tendo o mais evidente e claro interesse em nos apoiar, o não têm feito.

Temos de encarar a situação com calma, serenidade e coragem, agindo, porém, com energia e rapidez, para demonstrar a todo o Mundo que estamos dispostos aos maiores sacrifícios para defendermos o nosso direito e fazermos saber aos nossos compatriotas, no que é agora a nossa primeira linha de combate, que nunca os abandonaremos e que Portugal, como sempre aconteceu em todos os períodos da nossa história, agirá com a coragem, inteligência e espírito de sacrifício de que sempre deu provas.

Morreram já compatriotas nossos, brancos, mestiços e negros, e talvez por isso não seja inoportuno que também diga algumas palavras um velho soldado que combateu junto de outros que foram mortos e feridos ao seu lado, ou que, em pequenos combates, venceram os melhores soldados do Mundo.

Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se isso se deu, foi porque tinham sido devidamente ensinados e treinados, tinham á sua disposição todas as armas e munições de que precisavam, e sabiam usá-las eficazmente.