vida parlamentar tenho procurado defender objectivamente e evidenciar, embora com reconhecida e assinalada modéstia, os interesses e direitos alheios quê se me apresentaram como carecidos da atenção do Governo para que, sendo-lhes concedida a audiência a que tinham jus, se lhes propiciasse ou restabelecesse o equilíbrio que mereciam.

Procurei esclarecer-me, tanto quanto me foi possível, com o firme empenho de cumprir a honrosa missão que me foi confiada, sem quebra do tácito juramento inicial, e, sem genuflectir nem incensar, esforcei-me por seguir a linha de rumo que me pareceu mais conveniente e mais digna.

Tenho tido a suprema ventura de não incorrer no desagrado dos ilustres componentes desta Câmara e, a despeito de dever essa feliz circunstância mais à magnanimidade alheia do que ao merecimento próprio, mesmo assim sempre desse facto arrecado o grande consolo moral que ele tão gratamente me concede.

O que acabo de dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não o podia calar no fim desta sessão legislativa, última do meu mandato, em que se me impõe reafirmar a posição que tomei perante os problemas dos transportes rodoviários em geral e em especial dos da camionagem de carga nos sete depoimentos que sobre eles deixo feitos nesta Câmara.

Sem embargo de apenas me ter feito eco do somatório de razões contidas em documentos oficiais em variadíssimas representações superiormente apresentadas ao Governo pelos respectivos organismos corporativos, em notáveis e oportuníssimas campanhas da imprensa, entre as quais tanto se notabilizaram as do jornal O Século, admiravelmente deduzidas com desassombro e cabimento, e em numeroso conjunto de conhecimentos que me vieram da minha própria observação, e que sempre comentei com a objectividade que esta Câmara quis reconhecer e nenhum desmentido oficial turvou com operante demonstração de que eu tivesse errado ou exagerado, fui, contudo, a desoras, acusado de manifestar discordância de atitudes do Governo pelo departamento do Estado que. interfere neste importante sector da vida nacional, em documento de mal-humorada acrimónia, que guardo entre os papéis mais curiosos que recebi.

Muito embora o facto me tivesse causado apenas estranheza, votei-me pacientemente a esquecê-lo, na grata suposição de que o aludido departamento do Estado, que me deixara até uma esperança de pretender editar as reformas que tanto se impõem, efectivamente as editasse, remediando, com equidade e a urgência que se impunham, o conjunto de problemas emergentes da deficiente coordenação dos transportes terrestres, cujas soluções tão instantemente se lhes pediram.

Como tal ainda não sucedeu e os sucessivos agravamentos desses momentosos problemas cada vez mais difíceis e dolorosas tornam as suas soluções, de novo aqui estou para cumprir o meu dever de chamar para eles a atenção do Governo, com o fito único de os recolocar na página da agenda, que não pode nem deve ser voltada enquanto não puder escrever-se na sua lembrança uma palavra que exprima que se lhes deu conveniente solução.

Sr. Presidente: hoje, como ontem, ainda neste país se é forçado a reconhecer que a sua coordenação dos transportes terrestres nunca foi alcançada, tendo-se vivido sempre, em seu nome, num regime propositadamente confuso e complicado, cheio* de apavorantes distorções à estrutura económica e social da Nação.

Todo este conjunto de defeitos emerge da grande artificialidade da regulamentação que veio a ser dada às catorze bases da Lei n.º 2008, que esta Câmara votou em 1945.

Pelo império das razões que a motivaram e pelo comando dos seus preceitos disciplinadores, havia essa regulamentação de ter estruturado um sistema harmónico e compreensivo entre as duas grandes gamas de transportes, ferroviário e rodoviário, por forma tal que, sem injustas supremacias, cada uma pudesse executar a sua importante missão pela forma mais económica para a colectividade.

Para tanto, esse desejado sistema de consciencioso equilíbrio de direitos e obrigações, que não deveria desconhecer nenhuma das grandes realidades da nossa época, haveria de ter ficado sujeito ao comando único de um mesmo departamento do Estado, que, pelos sucessivos ditames, da experiência, o devia ir afeiçoando às exigências da vida nacional.

Não foi, porém, o sistema adoptado.

Tendo-se partido do pressuposto dogmático de que as dificuldades dos transportes ferroviários entregues em concessão única só poderiam emergir da concorrência da indústria rodoviária de transportes, criou-se para esta um sistema apertadíssimo de permanente e completo controle de actividades, sufocando-a com uma tributação ostensivamente impiedosa em certos sectores, como o do transporte de mercadorias.

Assim se supôs poder eliminar ou disciplinar uma concorrência que aparecia como um dos mais temíveis flagelos com que pode topar uma organização.

Contudo, para a indústria de transportes ferroviários não se usou do mesmo critério, sendo extremamente benevolente o tratamento concedido.

São estes os princípios que têm dominado por inteiro toda a política de transportes do Ministério das Comunicações, aliás bem demonstrado no longo despacho de 22 de Janeiro de 1958 do Ministro de então e que ainda hoje é a seguida nesse departamento.

Começada em 1948 a disciplina da coordenação dos transportes, logo contra ela se ergueram queixas, representações de sugestões feitas pelos industriais de transportes em automóveis e dirigidas ao Governo com veemente sinceridade por intermédio do organismo corporativo que os representa, se denunciaram os males e defeitos do sistema criado, concretizando-se todas as suas asperezas...

Só ao fim de dez anos de quase constantes denúncias se alcançou, não um melhoramento das grandes dis-