Ambos os casos - a dura tragédia congolesa e a brutal agressão a Goa - provam exuberantemente que, em todos os lugares onde isso convier às potências mais fortes, o chamado direito dos povos a disporem de si próprios não é um direito inerente à livre determinação de cada povo, mas um falso direito coercivamente imposto de fora, sem os mais leves reflexos de pudor.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Para que serve, então, a O. N. U., e porque haveremos de manter-nos naquele areópago, praticamente orbital do Kremlin?!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ela tem-se revelado insusceptível de unir as nações, afirmando assim o desmentido do seu próprio nome.

Como escreveu um autor insuspeito, seria hoje preciso um esforço enorme de imaginação para descobrir o espírito que animava os seus fundadores - por tantas metamorfoses ela tem passado desde o primeiro período, dito antifascita, e do seguinte, predominantemente anti-soviético, até ao actual, caracterizado pelas chamada» ideias anticolonialistas.

Esta última metamorfose (antes das seguintes ...) deu nascimento precoce a jovens nações africanas e asiáticas, que podem, quando se unirem (e a Rússia fará tildo para as unir em volta dela), pôr em xeque qualquer coalizão ocidental. Já vai longe o tempo, anotou o mesmo comentador, em que a Rússia falava da maioria mecânica que os Estados Unidos tinham a sua disposição em todas as votações da Assembleia.

A O. N. U. não sofreu a mínima preocupação com a ideia destes nascimentos precoces. Pior ainda: em Dezembro de 1960 (há um ano) inscreveu, entre as suas levianas e nocivas resoluções, e de que «a falta de preparação nos domínios político, económico e social ou no do ensino não deve nunca servir para retardar a independência»!

As tristes consequências desta desorientação das ideias do Mundo aí estão plenamente à vista. A uma concepção «formalista e perigosa da independência» sacrificou-se a dignidade do homem, a segurança das populações, o desabrochamento das liberdades, porque, segundo uma observação justa que li algures, é falsa a independência quando os povos não estão preparados nem politicamente, nem economicamente, nem culturalmente para constituírem grupos autónomos e soberanos na sociedade internacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Compreende-se depois disto, embora se não possa justificar, que o delegado da União Indiana, como acentuou o Sr. Presidente do Conselho nas referências ao infeliz comportamento da O. N. U., ousasse afirmar a propósito de Goa, sem que tenha, assomado às faces dos seus ouvintes um indício de cólera ou um reflexo de pudor, que, «com Carta ou sem Carta, com Conselho de Segurança ou sem Conselho de Segurança, com direito ou sem ele, o seu país prosseguiria o seu caminho» de agressão!

Não há dúvida, Sr. Presidente, o Governo Português deve perguntar-se, á partir deste momento, «sobre o que estamos ali a fazer» e tirar, como foi anunciado na comunicação de ontem à Assembleia Nacional, as lógicas consequências da resposta a dar à pergunta.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não se vê bem que a nossa presença, de início instantemente solicitada pela Inglaterra e pelos Estados Unidos, tenha agora utilidade para nós ou mesmo para o Ocidente, desde há muito posto em a frança minoria» pelo grupo comunista e afro-asiático e por este permanentemente vencido nas votações.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Exceptuo, claro está, a hipótese quase milagrosa de as Nações Unidas deixarem verdadeiramente de ser nações desunidas e preferirem o ordeiro reinado do jus gentium ao actual império iníquo da confusio gentium.

Se ao menos estivesse unido o Ocidente, numa visão certeira dos seus interesses comuns e numa política realista de bom senso. Infelizmente, porém, não é isto que também aqui se verifica.

No caso de Goa pôde notar-se consoladoramente uma «reacção violenta» na generalidade da opinião pública a favor de Portugal. Como salienta com o devido relevo a comunicação do Sr. Presidente do Conselho, «exteriorizou-se uma repulsa e sentiu-se uma grande inquietação» por toda a parte onde quer que se não perdeu ainda o sentido dos valores morais e jurídicos e se têm em conta as razões de viver.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nas próprias esferas oficiais se encontrou bastantes vezes uma expressão sincera de apoio e apreço. Tal o caso da especial simpatia manifestada pelo nosso Brasil, onde o coração magnífico da grande colónia portuguesa tem vibrado com a intensidade própria da sua exemplar devoção patriótica.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tal o caso da nobre e cavalheiresca Espanha, na sua corajosa galhardia de fraternal solidariedade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!