Estava bem longe de mini o propósito de subir à tribuna para intervir neste assunto, e só a sua natureza e gravidade me levaram a fazê-lo, embora para proferir apenas breves palavras; as palavras suficientes para exprimirem o que os impulsos da razão e o sentimento patriótico me impõem.

Ouvi com grande interesse e com satisfação os brilhantes e enérgicos discursos que acabam de ser proferidos pelos nossos distintos colegas Sr s. Drs. Soares da Fonseca, Veiga de Macedo e Augusto Correia. Quaisquer palavras a mais que eu acrescentasse só serviriam para ofuscar o brilho desta sessão e contrariar o orgulho que nós ontem sentimos ao ouvir a notabilíssima comunicação do Sr. Presidente do Conselho.

Tenho, porém, para mim que a moção que acaba de ser lida não é suficientemente enérgica nem suficientemente objectiva ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cancella de Abreu:, creio que V. Ex.ª vai falar da moção, mas eu ainda a não pôs em discussão.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Mas eu já falei ... Imaginava que ela era discutida conjuntamente com u assunto a que diz respeito.

O Sr. Presidente: - O que está dito está dito. Se é sobre a moção que V. Ex.ª quer falar, então consinta que a mande ler. V. Ex.ª continuará depois no uso da palavra sobre a moção.

Foi novamente lida a moção.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Dou a palavra ao Sr. Deputado Cancella de Abreu.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Bem pouco é o que desejo acrescentar. Dizia eu que, a meu ver, a moção não é suficientemente enérgica nem objectiva.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A moção não exprime suficientemente o meu pensamento; não reflecte o que nos vai na alma, nem, porventura, o sentimento de indignação que nós todos experimentamos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não é consentânea com as importantes revelações feitas pelo Sr. Presidente do Conselho na sua notabilíssima exposição nem. com os enérgicos comentários onde S. Exa. fustigou o assalto e a ocupação de Goa à mão armada e a atitude daqueles países que, por todos os títulos, e nomeadamente pela força dos tratados e no seu incontroverso interesse próprio, tinham o irrecusável dever de auxiliar-nos, não só moralmente e esgotando todas, absolutamente todas, as possibilidades diplomáticas, mas também materialmente.

A moção também não se harmoniza com as violentas e justificadas críticas feitas com elevação e dignidade nos brilhantes discursos acabados de ser proferidos e que constituíram um libelo esmagador.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Assim, e ainda para ser o que naturalmente a Nação espera, a moção devia constituir não apenas uma expressão do sentimento de repulsa da Assembleia Nacional contra os responsáveis directos ou indirectos pela extorsão perpetrada contra nós, mas também de protesto veemente, que traduzisse bem a nossa indignação, a nossa revolta contra a vil prepotência cometida.

Quanto à falta de referência mais expressiva e concreta à revisão dos tratados, aliás já admitida como possível ou provável pelo Chefe do Governo, é certo que o n.º 7.º do artigo 81.º da Constituição dispõe que é ao Chefe do Estado que compete dirigir a nossa política externa, ajustar convenções internacionais, etc. Mas julgo que não seria inconstitucional exprimir uma opinião, ou emitir um voto expresso, ou fazer uma sugestão, tanto mais que, segundo a referida disposição constitucional, tais deliberações do Chefe do Estado têm de ser submetidas, por intermédio do Governo, à aprovação da Asse mbleia Nacional.

E certo que, hoje, as moções não representam geralmente mais do que o cumprimento de uma velha praxe parlamentar anódina, sem conteúdo específico e operante, e por isso eu me tenho abstido, desde há muito, de apresentá-las ou de subscrevê-las. Mas, no presente caso gravíssimo, trata-se de exprimir o pensamento da Nação através de um documento que, porventura, irá ser divulgado por todos os cantos do Mundo.

Salvo todo o respeito pelos seus signatários, que, decerto imaginam encontrar-se implícito no seu vago conteúdo aquilo que venho de assinalar, declaro a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que terei de aprová-la só porque do mal prefiro o menor e o Regimento não me permite abster-me. Além disso, não tenho o hábito de retirar-me, especialmente em casos em que o voto envolva alta responsabilidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: depois de exprimir o meu respeito pelo Sr. Deputado Cancella de Abreu, eu, que não posso intervir na discussão, quero repetir o que VV. Exas. já ouviram àquele Sr. Deputado, e é que o n.º 7.º do artigo 81.º da Constituição diz assim:

Compete ao Presidente da República: ... dirigir a política externa do Estado, ajustar convenções internacionais, negociar tratados de paz e aliança ...

É certo que isto, segundo me parece, significa que a competência das iniciativas em matéria de política externa pertence, nos termos da Constituição, ao Presidente da República.

Quando ouvi ler a moção, convenci-me, mesmo, de que uma palavra que nela se contém, precisamente a propósito da alínea 3), foi aí escrita exactamente com a preocupação de que se não viesse a pensar que ia invadir-se tuna prerrogativa constitucional do Chefe do Estado. Diz-se aí: «Formular a sugestão de uma revisão eventual». Precisamente, este adjectivo «eventual» está aí escrito, segundo a minha opinião, para dar a impressão nítida de que a Assembleia sugere, mas não invade uma competência constitucional do Chefe do Estado.

Quis prestar este esclarecimento a VV. Exas. depois de apresentar respeitosamente os meus cumprimentos ao Sr. Deputado Cancella de Abreu.

Pausa.