até esta Assembleia, representativa, através de nós todos, das aspirações e dos desejos da Nação, o eco das minhas palavras proferidas durante a campanha eleitoral, sublinhadas com aplausos que - julgo eu - significavam concordância com todo o seu conteúdo e traduziam a esperança de que essas aspirações, de que esses desejos, não seriam esquecidos.

Hoje, Sr. Presidente, venho trazer até aqui apenas um dos vários motivos desta ansiedade, ou desta insatisfação, de que sofre o meu espírito e com ele o espírito daqueles que me elegeram, dando-lhe prioridade sobre todos os outros, por o considerar fundamental, e sem cuidar, por outro lado, de me referir a tantos, tantos, motivos de satisfação pela simples e evidente razão de não necessitar de elogios a extraordinária, verdadeiramente monumental, obra do Governo, nem sequer sobre eles ser mais esclarecida a Nação.

Vozes: - Muito bem!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sofro, e sofro angustiosamente, ao verificar, de quando em quando, aqui e além, a claudicação funcional de uma orgânica que em muito satisfaz a minha ansiedade política.

Sofro, e sofro angustiosamente, ao reconhecer que nos cadinhos de formação da nossa juventude, ao cuidado, ao zelo e à muita competência com que se trata do carácter físico e do carácter intelectual, nem sempre se alie uma dose de interesse pelo desenvolvimento do carácter moral compatível com uma hierarquia, em que a alma excede o corpo em perfeição.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sofro, e sofro angustiosamente, quando noto a preocupação de se ver a ciência e a técnica tudo dominarem dentro de um materialismo hipertrófico tendente a criar robots, quiçá do tipo delirante de Frankenstein; ou quando, mais além, registo o endeusamento de uma intelectualidade que orgulhosamente se afasta, do caminho, da luz e da verdade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sofro, e sofro angustiosamente, ao verificar que, apesar de Cristo ter, realmente, entrado oficialmente nas escolas, a acção cristã não tenha ainda aí uma mais profunda coexistência e continuidade.

O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com todo o gosto.

O Sr. António Santos da Cunha: - Tenho a observar que, em grande parte, essa grave lacuna a que se refere o Sr.. Deputado Délio Santarém se deve ao clero, porque há da parte do Governo disposições que permitem ao pároco ter acesso e lugar nas escolas primárias. Ora são poucos os que se utilizam dessa grande facilidade que foi concedida à Igreja por parte do Estado.

O Sr. Agostinho Gomes: - E quais as horas a que o clero pode ir dar as suas lições de moral às escolas? Não nego que possa haver da parte do clero negligências nesse campo, mas às vezes acontece que as horas estabelecidas para serem dadas pelos párocos lições de moral nas escolas primárias colidem com outros interesses paroquiais e é óbvio que o pároco não pode desdobrar-se, pois não tem o dom da ubiquidade, para ir a todas as escolas da sua paróquia, principalmente quando esta é grande um número de habitantes.

O Orador: - Sofro, e sofro angustiosamente, porque tenho dúvidas se conseguimos formar intelectuais à maneira de S. Tomás de Aquino e de Camões ou nos moldes de Rousseau e Karl Marx.

Receio, e receio sinceramente, que se criem cientistas e técnicos que só reconhecem a sabedoria finita do homem e se esquecem da sabedoria infinita de Deus.

Estes motivos de ansiedade aqui repercutidos agora nesta Assembleia, como eco de uma vibração irreprimível, não os apresenta um mestre ou um técnico, nem sequer um modesto autodidacta de pedagogia, mas, simplesmente, um médico de certo modo habituado a auscultar, a sentir e a meditar sobre os sentimentos humanos, e descrente de todos os métodos ou sistemas pedagógicos que se mostram divorciados do verdadeiro destino do homem.

Também descrente foi um eminente mestre francês de psiquiatria infantil que a todos os métodos fez uma crítica severa, só se mostrando menos áspero quanto ao método lógico que formou Rabelais, Montagne e Pascal, e pela única razão de não querer ser deselegante com o método que educou os seus próprios pais.

A acção formativa peca, quanto a mim, por uma força de incidência inversamente proporcional ao valor intrínseco de cada um dos três elementos interdependentes que constituem o carácter humano.

E vive assim, dentro de mim, em plena ortodoxia, a convicção de que a acção oficial para a formação de carácter moral não acompanha, ou acompanha mal, a intensa acção formativa do carácter intelectual e do carácter físico. E mesmo sem a credencial, e consequente responsabilidade, de um mestre ou técnico consagrado nesta matéria, não resisto à íntima tentação de aqui manifestar o meu receio, cada vez mais vivo, quanto à formação da nossa juventude e, através dela, quanto ao futuro da nossa ordem social.

Que tremendas calamidades não poderão surgir se muito reforçamos a bagagem intelectual e técnica de tantos a quem descuidamos a correcção de maus sentimentos - congénitos ou adquiridos em abundantes meios de perversão - e que terrivelmente irão colaborar com aqueles conhecimentos, que afanosamente foram proporcionados!

Assim, solto a minha voz, talvez mais sentida do que reflectida, pedindo ao Sr. Ministro da Educação Nacional, a cuja inteligência vivíssima, sabedoria de autêntico mestre e fulgurância de estadista eminente presto, desta tribuna, a minha sincera e entusiástica