is poderão conduzir a resultados satisfatórios.

Os 70 por cento da sua população activa, que directa ou indirectamente se dedica a agricultura, vive, por vezes, em condições chocantes da dignidade humana, bastando referir, a propósito, e para que se não duvide do asserto, que, em grande número de casos, essa pobre gente não dispõe de estradas, nem de água potável, nem de electricidade, nem de telefone, nem de assistência médica ou social, nem de previdência, nem de ensino.

Demais, e para além do próprio teor deficitário da alimentação, é confrangedor o primitivismo da sua habitação, quase sempre acanhada e desprovida, das mais elementares condições de higiene e conforto, e onde não raras vezes se vive amontoado, em degradante promiscuidade de pessoas e animais, com todas as inevitáveis consequências para a saúde física, mental e moral das respectivas populações.

Corajosamente, temos de convir em que este quadro é escuro, muito escuro mesmo, e que é mister não o perder de vista no momento em que se anuncia, se discute e está, certamente, para entrar em vigor um diploma de cunho acentuadamente económico, agrário e social.

Pois era exactamente neste quadro que pensávamos há pouco quando manifestávamos o receio de que a população campesina da zona III, sobretudo, vítima ancestral do subdesenvolvimento crónico das regiões em que vivem, não fautorizasse, mercê de um comportamento que desde já se prevê hostil ou, pelo menos, de acentuado indiferentismo, a aplicação ou execução de planos e medidas tendentes à reestruturação agrária dessas mesmas regiões, com o consequente cortejo de enormes benefícios nos campos económico, social, moral, técnico e educacional.

E isto significa, em nosso modesto entender, que antes de se iniciarem quaisquer operações de emparcelamento na zona III, que bem poderá chamar-se a zona mártir do País, ou em qualquer zona de características agro-económicas e sociais idênticas, torna-se necessário p reparar psicologicamente as respectivas populações, a fim de as esclarecer sobre os verdadeiros objectivos a alcançar com o emparcelamento e as reais vantagens que dele advirão para o agricultor e para o País, levando-a, assim, a aceitar a nova ideia como boa e realmente capaz de operar, quando posta em prática, a ambicionada renovação da agricultura, com a introdução de novos métodos de trabalho, de novas técnicos, de novos meios de produção e, decorrentemente, capaz de proporcionar a melhoria geral do nível de vida dessas populações.

Aliás, este ponto tem merecido a melhor atenção de todos os países onde o emparcelamento se pratica há muito, tal como a Alemanha, a França, a Dinamarca e a Holanda. A Holanda, sobretudo, dedica-lhe o maior interesse, aí se perfilhando inteiramente a tese de Vandervinckt, de que vale mais convencer do que coagir.

O engenheiro agrónomo Lago de Freitas, numa interessante conferência que em 1960 proferiu em Viana do Castelo, sob o título «Interesse económico-social do emparcelamento da propriedade rústica», citando o mesmo Vandervinckt, acrescenta:

Na verdade, quando os que deveriam estar altamente interessados se isolam da operação, ou se tornam mesmo hostis a ela, não lia boas vontades, nem promessas de vantagem, nem muito menos argumentações que os levem a aceitar o que, sem qualquer segunda intenção, se lhes procura dar. É preciso, acima de tudo, criar e desenvolver a noção de que o que se pretende fazer é para bem exclusivo do agricultor, e que o Estado, como zeloso defensor do interesse geral que é, apenas procura melhorar as condições da produção, com vista ao fim último da elevação geral do nível de vida.

Pareceria assim de toda a conveniência que a futura lei sobre o emparcelamento da propriedade rústica prevenisse expressamente - tal como na proposta em discussão e no respectivo parecer da Câmara Corporativa se faz quanto aos tribunais arbitrais e às comissões locais de recomposição predial - a criação de comissões ou serviços especiais, que poderiam designar-se de extensão agrícola e aos quais incumbiria, na fase que viesse a ser considerada mais conveniente, a preparação e educação das populações rurais das zonas a emparcelar, já que o sucesso da operação dependerá, essencialmente, da livre e espontânea aceitação e da decidida colaboração que os rurais lhe concederem.

Este apontamento, devemos repeti-lo, é sobretudo ditado pela consideração de que nas regiões como as da zona III, subdesenvolvidas em todos os aspectos, e, portanto, das mais carecidas de um sopro de renovação, as camadas campesinas reagirão desfavoravelmente ao emparcelamento, por não estarem à altu ra de compreender nem o que se lhes oferece nem porque se lhes oferece.

E se é nessas regiões que mais interesse existe pelo pleno êxito do emparcelamento, não vemos, sinceramente, como possa tal êxito ser alcançado sem aquela prévia preparação psicológica dos seus rurais.

Uma actuação conscienciosa, inteligente e persistente dos serviços de extensão agrícola, cuja criação se preconiza, evitará certamente, em muitos casos, talvez nos mais delicados, o uso da faculdade extraordinária, e aliás discutível, concedida ao Governo pelo n.º 2 do artigo 9.º da proposta em apreciação e artigo 26.º da proposta da Câmara Corporativa, já com a introdução da alteração sugerida pelo Governo, e que se refere à possibilidade de, em determinadas circunstâncias, o emparcelamento ser imposto.

Solução de excepção e de força, o seu emprego, e caso ela venha a ser aprovada, terá de ser rodeado de extremas cautelas, se bem que, mesmo nos casos espe-