Sr. Presidente: os projectos de emparcelamento, segundo o texto da proposta de decreto-lei, iniciam-se a pedido dê qualquer interessado ou por iniciativa, da Junta de Colonização Interna sempre que o julgar conveniente. A sua execução só poderá ter lugar em determinadas condições que exigem um certo quorum favorável da parte dos proprietários envolvidos no processo de emparcelamento. O Governo pode, no entanto, impô-la, quando se verifiquem razões excepcionais de natureza económico-social.

No entanto, no parecer emitido pela Câmara Corporativa foi perfilhada opinião diversa:

O emparcelamento nunca poderá ser decretado coercivamente. As razões apresentadas reconduzem-se fundamentalmente a considerações de ordem político-social, julgando-se perigosa «qualquer tentativa nó sentido de impor a operação recusada».

Sr. Presidente: tenho para mim não parecer ser esta a melhor solução.

a) O emparcelamento coercivo só em casos excepcionais, muito raros, teria lugar.

b) Aliás, a faculdade de o Governo impor o emparcelamento não deverá, em princípio, ser usada. Quer isto dizer que essa mera possibilidade será suficiente para dar aos proprietários uma disposição de espírito mais favorável quanto à ideia do emparcelamento. Se os técnicos puderem lembrar aos proprietários, perante as suas injustificadas oposições, a possibilidade de serem obrigados, isso bastará, assim se julga, para que eles encarem o problema de maneira mais razoável. A letra da lei só por si exerce, como é sabido, grande influência. E é fundamentalmente essa influência que se pretende com a obrigatoriedade. c) Depois, não se pode esquecer também o carácter de interesse público que reveste uma operação de emparcelamento; como muito bem se diz no n.º 41 do parecer da Câmara Corporativa:

... Tendo em conta quê o emparcelamento é planeado e executado em toda a Europa, tal como deve ser em Portugal, por razões de utilidade pública manifesta e que em nenhum país se justifica mais do que no nosso o recurso a processos expeditos, embora prudentes, de avançar na realização cie uma obra que há muito se impõe ...

Ora, parece que o interesse público não deve ceder em face da oposição de alguns proprietários, especialmente quando é escassa a maioria dos opositores. Tanto mais - note-se - que o problema do emparcelamento coercivo só se põe nos casos em que o Governo reconheço que a sua execução é urgente e o interesse público é, portanto, mais intenso.

d) O emparcelamento coercivo não representa, de modo algum, uma violência intolerável em relação aos proprietários que o não desejem. Isto porque, num plano estritamente jurídico, modernamente já ninguém entende o direito de propriedade como, um direito intangível que o seu titular possa exercer como quiser. Hoje o conceito de propriedade está cada vez mais ligado à ideia de «função social». Como nota Rigaud, a lei dá ao proprietário um monopólio sobre a coisa por razões de justiça e utilidade social e não lhe permite abusar do seu poder de facto ao sabor das suas fantasias. A mesma ideia é explanada por Duguit ao afirmar que a pr opriedade só se compreende como uma função social, em vista da qual um indivíduo deve exercer os seus poderes, não só no interesse próprio, mas também no da colectividade. Só considerando a propriedade como tal se consegue explicar as inúmeras restrições aos poderes do proprietário.

Tendência está que podemos dizer geral e que nada repugna ver legitimada, neste caso do emparcelamento, que exactamente pretende defender um interesse social.

De resto, esta doutrina pode, inequivocamente, colher-se do artigo 35.º da Constituição Política Portuguesa, que afirma:

A propriedade, o capital e o trabalho desempenham uma função social, em regime de cooperação económica e solidariedade, podendo a lei determinar as condições do seu emprego ou exploração conformes com a finalidade colectiva.

Crê-se, pois, que a solução preconizada se harmoniza nos aspectos doutrinários e sociais com a ordem jurídica portuguesa.

e) A estas pode juntar-se uma razão de ordem económica. Segundo o artigo 26.º do projecto, na redacção que lhe foi dada pela Câmara Corporativa, os proprietários são chamados a pronunciar-se definitivamente sobre o emparcelamento numa altura em que a maioria dos trabalhos está praticamente concluída. Fizeram-se estudos preliminares; averiguou-se da necessidade do emparcelamento; concluiu-se que o ambiente geral lhe era favorável; passou-se depois à confecção pormenorizada do respectivo anteprojecto, operação esta que é demorada e muito dispendiosa. Não parece, lógico que, depois de repetidas vezes comprovado o grande interesse do emparcelamento de uma zona, e depois de gasto tanto tempo, trabalho e dinheiro, a efectiva recomposição predial esteja dependente da vontade, tantos vezes caprichosa, de alguns proprietários que até, possivelmente, em momentos anteriores se mostraram favoráveis a ela. Ideia que ganha vulto se se lembrar quão grande é, por vezes, nos meios rurais a influência de uma minoria dominante, absolutamente capaz de operar uma mudança de posição quanto ao problema;

f) Por outro lado, e como já foi dito noutras ocasiões, ao Governo, em reunião do Conselho de Ministros, é que compete decidir se, nesses casos excepcionais, deve ou não ter lugar o emparcelamento. E o Governo é órgão mais que qualificado para aferir das razões político-sociais que o aconselham ou rejeitam;

g) Como razão que parece interessante frisar aqui, tem-se ainda o facto, verificado em algumas zonas visitadas para efeito de emparcelamento, de serem os próprios proprietários a desejarem que ele se faça coercivamente. Tem-se averiguado que muitos deles, declarando que talvez aceitassem uma solução voluntária, embora com reservas, inclinavam-se abertamente para uma intervenção coerciva. Isto pela razão simples, mas tão real nos meios