Mais difícil é referenciar as actividades que ao Governo têm passado despercebidas ou sobre as quais não tem aplicado a acção benfazeja que seria de esperar. E infelizmente, Sr. Presidente, também as há.

Quero referir-me ao esquecimento a que tem sido votada a classe do trabalhador rural e às ingentes dificuldades de sobrevivência do pequeno proprietário. Se errada não foi a minha apreciação, grande parte dos ilustres Deputados que intervieram na discussão da chamada Lei de Meios manifestaram as suas apreensões em relação às perspectivas da lavoura. Quer-me, no entanto, parecer que, ao falar-se no trigo, no arroz, no azeite, no vinho, na cortiça e até na agro-pecuária, se encarou sobretudo a grande lavoura, a mais rica, ou, melhor direi, a menos pobre. Não é precisamente esse o caso da maior porte do distrito da Guarda e talvez da Beira Alta e de Trás-os-Montes, em geral.

Propriamente na minha região, salvo excepções existentes, talvez com o fim único de confirmarem a regra, a propriedade é tão pequena e de tal forma está dividida que, em muitas aldeias, bem se podem contar pelos dedos, quando há que contar, as propriedades de terreno de regadio que atinjam o hectare.

O apontamento que trago a esta Assembleia e coloco à consideração dos esclarecidos espíritos que presidem aos destinos da economia nacional refere-se à mais humilde classe dos portugueses metropolitanos, tão desprotegidos, que até, por pouca sorte sua, é também o mais humilde dos que tomaram assento nesta Assembleia que procura chamar as atenções governamentais para a sua precária situação. Os problemas dos pequenos, por via de regra, só os pequenos os vivem e sentem.

Desde há muito, Sr. Presidente, que se vem falando no aumento de nível de vida e desde há muito que tal aumento se vem notando, mesmo em classes menos favorecidas pelos meios de fortuna. A assistência médica e medicamentosa, a previdência social, a habitação condigna à pessoa humana, a justa retribuição do trabalho e a garantia da sustentação na invalidez e na velhice, etc., têm tornado menos apreensiva a vida de muitos lares portugueses.

E bem é que assim se tenha evoluído. Porém, a falta de justiça distributiva, nas salutares providências que vêm sendo tomadas, coloca as pobres classes rurais numa situação de tão notório desnível que as faz supor enjeitadas. E tanto mais enjeitadas e tanto mais desprotegidas quanto anuis pobres a precisadas. O pequeno proprietário do meu distrito, que, de ano a ano, mais sente a agonia económica do fruto do seu labor, não paga, não pode pagar remuneração condigna ao trabalhador que o serve. Região tradicionalmente produtora de batata, encontrava na sua venda a principal fonte de receita e a melhor remuneração do seu trabalho. Era com essa receita que o pequeno proprietário e o trabalhador rural, cultivando em regime de meias, liquidavam os seus compromissos anuais no sapateiro, no barbeiro, no alfaiate, etc.

Nos últimos anos tem sido precisamente a cultura da batata quê mais tem contribuído para a sua ruína. A agricultura a que me venho referindo deixou de ser a arte de empobrecer alegremente, para tristemente arrancar dos nossos meios rurais a alegria, única riqueza de que aquela pobre gente dispunha e gozava.

O cultivo do tubérculo em referência tornou-se mais dispendioso devido à aquisição de insecticidas, indispensáveis ao combate do insaciável escaravelho; à compra e aplicação de preparados cúpricos preventivos do míldio a que as novas qualidades de batata parece mostrarem-se mais atreitas; ao elevado preço das sementes;, ao aumento dos salários, provocado mais pela falta de braços, que pelas disponibilidades do proprietário ; à dizimação dos batatais pelo terrível mal murcho, etc.

Por outro lado o preço de venda na origem - devido, certamente, à superprodução motivada pelo aumento das áreas destinadas ao seu cultivo - desceu de tal forma que completa a ruinosa economia do pequeno produtor de batata.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - E estranha-se, Sr. Presidente, que em saudosos tempos, tendo intervindo o Governo, e bem, na protecção ao consumidor, estabelecendo preços máximos, que tendo limitado o plantio da vinha paru evitar a desvalorização do produto, não tenha delineado qualquer providência que, por um lado, garanta ao produtor preços mínimos e, por outro, restrinja as áreas de cultivo, se necessário.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Creio ser o único sector das actividades nacionais onde nunca se fez sentir o benfazejo intervencionismo das esferas governamentais.

Vozes: -Muito bem!

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - ... e de minorar o chocante desnível a que, em relação a outras actividades, se deixou chegar a classe rural na generalidade e em especial a que se dedica, que sempre se dedicou, ao cultivo da batata.

Essa actuação exige as atenções dos sectores governamentais da agricultura, do comércio e da indústria.

Na verdade, por todos é devida uma palavra de ordem, que se espera seja dita antes da nova campanha.

Estudar e aconselhar novas culturas adaptáveis às pequenas parcelas de terreno, de que resulte uma rentabilidade compensadora.

Restringir a importação de sementes na medida em que se valorizem as sementes cultivadas em território nacional.

Comercializar os produtos a preços que, salvaguardando o consumidor, não descurem os legítimos interesses do produtor.

Obviar de algum modo à diferença existente entre o preço inicial de compra e o de venda a retalho. Presentemente, pratica-se este preço em Lisboa a mais do dobro do pago na origem.

Sobretudo, Sr. Presidente, incrementar as indústrias transformadoras de modo que, por um lado, possam utilizar os excedentes de produção, e, por outro, consumir os produtos cujo cultivo for aconselhado em substituição da batata.