Ouvem-se por vezes pessoas mal esclarecidas falar, com a consequente ligeireza, do portuguesismo dos moçambicanos. Trata-se em geral de pessoas que dos factos, das condições, das circunstâncias ou dos fenómenos ultramarinos não entendem nada ou entendem tão mal que seria preferível não entendessem nada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Posso até referir a nossa desconfiança quanto à nova vaga de entendidos que estão a prejudicar seriamente a verdade ultramarina, visto toda a sua bagagem de conhecimentos se resumir a uma viagem de relance - oito, quinze dias, um mês, aos saltos pela província.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - A metrópole sofre-lhes depois a epidemia de patrióticos rançosas, que necessariamente deformam toda a realidade e escondem verdades dolorosas que devem ser conhecidas.

Vozes: - Muito bem!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nós, positivos e realistas, não nos conformamos e protestamos salutarmente, porque o negro é geralmente um pobre de não ter nada, a acção educativa das missões é débil e fraca por falta de pessoal e de meios, o colono vive ou vegeta entregue a uma sorte triste e secular de puro acaso. De facto, temos um tão profundo respeito pela veneranda figura de Vasco da Gama que nos recusamos a usá-la todos os dias como argumento. Já não nos é útil nem necessária. Do mesmo modo não resolveremos o problema da cabotagem com caravelas, nem poderemos aproximar o Niasna de Nacala com machileiros.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Há, assim, entre nós e os propagandistas literato-patrióticos do ultramar na metrópole, cuja lírica não pedimos, não apreciamos, nem agradecemos, um abismo intransponível. Não os entendemos, nem eles nos compreendem, e se eles, como parece, alimentam uma extensa opinião publica metropolitana de conduto ultramarino, não há dúvida de que temos muito fortes razões para considerar a metrópole muito mal informada e esclarecida a nosso respeito quanto aos nossos problemas e ao nosso ideário nacional.

Felizmente, a metrópole não nos ainda apenas esses senhores de torna-viagem, que para nós nada representam, nada valem, e só nos prejudicam. A metrópole manda-nos também, graças a Deus, os que vão ao ultramar realizar-se inteiramente como portugueses, e para isso lá ficam para sempre, ou pelo menos lá ficam por muitos anos, e quando voltam continuam a ter-se por lá ficado, porque lá deixaram alma, trabalho e vida. São os que continuamente fazem ali Portugal,

plantam de raiz a árvore da Pátria para sempre e dão ali u terra e aos povos tudo quanto podem e sabem, as mais das vezes incompreendidos e abandonados. Temos nós, moçambicanos, de que muitos somos seus descendentes, u maior admiração por eles, e tanto respeito nos merecem a fé que transportam e a acção que executam que, ao cabo de alguns anos de convívio com a terra e as gentes, os consideramos moçambicanos autênticos, dos melhores.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-A metrópole que o pode avaliar quanto a Pátria deve a essa imensa e tão pouca gente, anónima, que de mãos dados connosco no mesmo esforço

se realiza em pleno ideal lusíada, toda virada ao futuro na construção amorosa do amanhã. Mas estou certo de que a Câmara reconhece que todo o metropolitano radicado no ultramar é dominado ali por forte e imperativa exaltação lusíada, de conteúdo positivo e construtivo, e sabe transmiti-la aos descendentes que deixa e aos nativos com que contacta e vive. Comungamos nós, por isso, no mesmo ideal, e, como vivemos com ele o fazer que ali acontece, entre contrastes e dificuldades, daí a alta, valiosa e especialmente qualificada consciência de dever nacional e o exacto sentido de interesse nacional que há no ultramar.

Não se estranhará, assim, que a nossa especial posição em relação aos problemas e a vivência que deles temos nos façam manter divergências de base, ou meramente secundárias, com certos sectores metropolitanos que frontalmente consideramos desviados dos verdadeiros interesses nacionais, onde se englobam inteiros os nossos, de que temos consciência quanto à extensão, possibilidades e limites.

Se aludo, vagamente, por agora, a divergências com base no choque de interesses, divergências que estão a causar dificuldades extraordinárias ao Governo, à administração de Moçambique, ao progresso e à prosperidade dos povos, à conservação da paz, como todos queremos, e à justiça social, é apenas para dizer que em Moçambique todos estamos ali empenhados em salvar Portugal, que é nosso também, e está também todo Já, porque a Pátria, como a alma, é só uma, e está

toda inteira em qualquer parcela sua.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aliás sentimos e vemos que estamos ali numa trincheira avançada de Portugal, à mercê dos perigos que nos procurem. Por isso, ao juízo de como esperamos seja recebido por aqueles que a justiça lesar devidamente o nosso bom combate pelo bem de todos só poderemos responder que o risco que voluntariamente corremos na posição em que ali estamos nos inibe de submeter a referendo alheio o nosso patriotismo, quer quanto a conteúdo, quer quanto à qualidade ou intensidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aceitamos todas as suspeitas porque damos às ervas daninhas o direito de existirem, visto só poder compreender-se o bem por contraste com o mal, mas não precisamos de lições, porque estamos até dispostos a dá-las.

Vozes: - Muito bem!