Mas desde que, no caso presente, não se admite sequer a hipótese da sua utilização prática, acho do maior inconveniente que de ânimo leve se vibre um tão grave golpe no direito de propriedade.

Eu sou bota-de-elástico; continuo a crer no direito de propriedade ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... e nunca apoiarei qualquer disposição que lhe mine a solidez, a não ser un estrita medida em que se torne absolutamente indispensável em prol do comum.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas legislar contra o direito de propriedade como exemplo acho que seria exemplo deplorável.

Por outro lado, tem o Governo na sua mão o instituto da expropriação por utilidade pública pura solver qualquer nódulo inconveniente.

Pelas razões que ficam sumariadas, não aceito sequer a discussão da excrescência.

Vou terminar com um apelo ao Sr. Secretário da Agricultura.

Que S. Ex.ª vá analisar os problemas na sua fonte, ali, em face dos horizontes rasgados do campo, sem se deixar influenciar por teorias, utópicas ou por ambientes artificiais e confinados, nem sempre saturados do verdadeiro interesse nacional.

Na hora grave que vivemos impõem-se decisões audazes e remédios heróicos.

Quando os interesses nacionais estão tão ameaçados é crime contrapor-lhes outros interesses.

Que S. Ex.ª consiga gravar no ulcerado sector em que superintende, e até em todo o Ministério de que faz parte, estas verdades, que deviam estar sempre presentes no espírito de quem governa:

Um homem vale sempre mais que uma máquina;

Uma coisa é o humanitarismo cristão, que vê em cada homem a realidade viva do filho de Deus, e coisa diametralmente oposta é o chamado humanismo laico, que em nome de uma humanidade abstracta se sente no direito de escravizar os homens.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É preciso gravar bem fundo que a doutrina cristã não é nem pode ser uma postiça flor de retórica, porque só pode ser e só tem de ser uma norma de vida.

Quem se debruça sobre a história das ideias certamente chegou a esta constatação aparentemente paradoxal: as ideias só vivem na precisa medida em que os homens se mostram dispostos- a morrer por elas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vou terminar. E para fechar com chave de ouro terei de pedir o ouro emprestado.

Será, neste caso, a Paul Bourget, que numa sua obra, salvo erro Le Demon du Midi, escreveu a seguinte frase, que suponho particularmente oportuna:

Il faut vivre corame on pense, sinon tôt ou tard on fini pour pensei- comine ou a vêcut.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi. muito cumprimentado.

O Sr. Serras Pereira: -Sr. Presidente: quando logicamente se procura uma explicação que envolva n mando do nosso acontecer colectivo convém analisar as circunstâncias e estudar o comportamento do homem perante elas.

Partindo deste pressuposto, as circunstâncias em que V. Ex.ª, Sr. Presidente, tem exercido o poder são aquelas que decorrem de uma, política que é a vigente e se confunde essencialmente com o que marca ou caracteriza a Pátria Portuguesa.

Definidora por si mesma de princípios, a doutrina política determina a sua aplicação prática.

Os homens que a defendem e a aplicam terão de possuir necessariamente espírito de fidelidade e de coerência.

O comportamento de V. Ex.ª traduz-se na fidelidade, na coerência moral de estai- comprometido com os princípios e na sua disciplina, livremente aceite. Este comportamento é para mim, Sr. Presidente, a qualidade que mais sobressai no Doutor Mário de Figueiredo.

A inteligência rara com que é dotado é o suporte do seu comportamento, como é também pela inteligência que V. Ex.ª é virilmente cumpridor dos princípios que defende.

O exercício que V. Ex.ª faz do Poder está subordinado àquela escala de valores que, tendo Deus como origem do Poder, dá ao homem, contudo, a liberdade de o exercer, responsabilizando-o por isso mesmo do bom ou mau uso que dele fizer.

Este conceito cristão do Poder, que informa todo o nosso acontecer colectivo, a atitude do homem frente às circunstâncias dá-nos a consoladora certeza de que o exercício do Poder entre nós responde àquele apelo dramático de Romano Guardini - que o Poder se exerça com ascese.

Srs. Deputados: a Câmara é um órgão político, é mesmo o órgão político por excelência. Os homens que a compõem são todos portugueses, e por essa razão têm todos, necessariamente, um mesmo princípio - a defesa dos mais altos interesses nacionais.

A colaboração e o espírito de servir, que nos é comum, é condição bastante para que a Câmara s eja o órgão que só saberá salvaguardar os interesses nacionais.

Sr. Presidente: o País vive horas de extrema gravidade.

Luminosamente o Sr. Presidente do Conselho apontou as directivas. Há que cumprir, e não apenas cumprir, mas tornar-se cada vez mais forte a unidade nacional.

É nosso dever sagrado honrar e respeitar os mortos e principalmente aqueles que deram a vida em defesa da Pátria. Mas honrar os mortos e exaltar os heróis obriga-nos a um imperativo de acção. Viver é acção. Dando mais bem-estar, procurando soluções mais dignas, olhando o próximo na plena dignidade da sua condição.

E este viver está aí.

Nunca o País trabalhou tanto, nunca se estudou com mais critério. Os problemas são presentes com realismo. Procura-se a sua melhor solução. Anunciam-se grandes reformas e executam-se tarefas ingentes.

Medidas tidas como utópicas surgem como realidades intransferíveis, seja, por exemplo, o mercado único português e o problema da sua integração regional. Diploma que, segundo cremos, marca um momento histórico, que poderá ser decisivo. Os grandes interesses de Portugal em África ou de Portugal na Europa são vistos e tratados com a vontade das grandes ocasiões.