Na indústria e no comércio é bem mais difícil a sua programática que na agricultura. Enquanto ali os bens podem deslocar-se e os liames humanos são ténues, aqui a terra é fixa, a que o homem, integrado na família - primeira unidade colectiva natural -, em regra está enraizado por vínculos afectivos, sociológicos, religiosos, etnográficos e históricos.

O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Muito bem!

O Orador: - Parece que homem e território se confundem no traço comum da sua individualização.

Quando o homem se agarra a terra, parece que se torna mais independente e se sente mais confortado na liberdade intrínseca da dignidade da sua personalidade.

Bulir com tais mistérios é matéria extremamente delicada. Por isso entendo que o emparcelamento da propriedade rústica tem de ser cautelosa e prudentemente cercado de medidas de ponderação. Muitos são os valores morais e espirituais que não são susceptíveis de avaliação económica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há que respeitá-los, porque progresso económico sem progresso moral não é da nossa doutrina.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - De resto, o próprio Governo, ao enviar u Assembleia esta proposta, continua a ponderação já manifestada no II Plano de Fomento, que apenas inclui o emparcelamento de 6000 ha.

Não prevê a Lei n.º 2094, de 25 de Novembro de 1958, que promulga as bases da organização daquele Plano de Fomento (para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1959 e 31 de Dezembro de 1964), quaisquer normas quanto a emparcelamento. Apenas no Relatório Final Preparatório do II Plano de Fomento se explica, em nota sobre os instrumentos jurídicos necessários para a execução da política de fomento agrícola, que «para tornar efectivo o que ficou planeado a respeito do emparcelamento da propriedade é essencial a elaboração de uma lei de emparcelamento da propriedade rústica, que habilite os serviços a desenvolver a propaganda nos meios rurais, a elaborar os projectos e a realizar a obra».

Esta indicação revela-nos a prudência com que o Governo nesta primeira fase encara o problema do emparcelamento, ao admitir mesmo a hipótese de que boa parte do período do Plano de Fomento terá necessariamente de ser ocupada na preparação do pessoal técnico, na informação dos pequenos agricultores sobre a vantagem do em parcelamento e na elaboração dos projectos.

No parecer da Câmara Corporativa focam-se os inconvenientes do minifúndio pulverizado por uma forma bem concludente. Todavia, a pequena propriedade dispersa também oferece algumas vantagens, tais como: maior possibilidade de acesso à qualidade de proprietário e mais facilidade de policultura.

O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - No Norte do País é importantíssimo, como ontem tive ocasião de referir.

O Orador: - Isto pode observar-se no interior da zona do centro do Algarve, onde o minifúndio disperso é u base da exploração familiar agrícola, quase equilibrada, se não quantitativamente, pelo menos qualitativamente.

A diversidade da natureza dó terreno favorece um regime de policultura quase suficiente para o sustento da família em relação ao seu consumo actual que é muito inferior ao necessário.

A orografia, muito acidentada, reparte-se por terra de serra, barrocal e, várzeas.

A unidade de cultura a que o homem ali chegou por processo histórico, que tem vindo a evolucionar desde séculos, cada vez mais para a suficiência familiar a distribui-se normalmente por sequeiro, na terra de serra e de barrocal, e por regadio, nas várzeas e nos vales.

O regadio, quando à beira das ribeiras, algumas das quais com nascentes de grande caudal todo o ano, faz-se pelo processo primitivo de açudes e levadas colectivos; se é nas várzeas e nas encostas, por noras, minas e cegonhas, individuais, colectivas e comuns.

Existe muito de colectivo e comum, sem outras normas estatutárias que não sejam as da tradição.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A grande propriedade, aliás, em reduzida escala, é complementar da pequena, pelo sistema de parcelamento na exploração, principalmente de regadio.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A acção do homem ali, em fecundar a natureza pelo trabalho, é de tal forma ingente que até parece que as rochas foram transformadas em terra arável.

E confrangedor observar-se a riqueza que se desperdiça por falta de assistência técnica e dos melhoramentos públicos e agrícolas indispensáveis.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quase não existem trabalhadores por conta de outrem, havendo ainda lugar às tradicionais ajudas e entreajudas.

A emigração da mão-de-obra excedente, s mesmo de pequenos proprietários, tem sido uma das suas fontes de riqueza, a qual se faz em larga escala para o estrangeiro: França, Marrocos, Argentina, Venezuela, Brasil, América Ao Norte, Canadá, Austrália, etc.

Nesta região, os economistas, os sociólogos e os etnólogos muito poderão aprender!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A experiência económico-social de tal região pode dar óptimos ensinamentos ao estudo da unidade de cultura, que, a meu ver, não pode ser feito apenas por técnicos agrícolas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No parecer da Câmara Corporativa publica-se um mapa demonstrativo da repartição da propriedade, classificando em dois grupos os distritos do continente. Um dos grupos é constituído por dez distritos do Norte e o outro por quatro distritos do Sul.

No Norte, a propriedade acha-se de tal maneira dividida que vai até ao microfúndio; no Sul, está concentrada, chegando a ir até ao grande latifúndio.