marina quando o seu território seja ocupado pelo inimigo externo.

Se um tal preceito não existisse (e ele só existe depois da Lei n.º 2100, de 29 de Agosto de 1959), cumpria ao intérprete, na ausência de analogia dentro do texto da Constituição, procurai- a solução na norma que ele próprio formularia, inspirando-se no quadro de valores prevalecentes na comunidade jurídica em que está integrado e não nos valores pessoalmente perfilhados por ele. Outra coisa não são, no melhor entendimento hoje dominante, os «princípios de direito natural» a que alude, como se sabe, para serem utilizados em casos destes, o artigo 16.º do Código Civil. Ora estes valores ou estes princípios de direito natural ditam-nos a norma de que é absolutamente indispensável admitir para além do ou mesmo contra o direito constitucional legislado (extra legem, ou contra legem), um «direito constitucional de necessidade», também ele, afinal, direito positivo, destinado 11 ter aplicação em circunstâncias de 1958-1959, pp. 463 e segs. Dele decorre que as soluções do «direito de necessidade» podem ser utilizadas pelos órgãos da soberania, e designadamente pelo legislador ordinário, em ou para situações de crise, e não de simples utilidade ou oportunidade, entendendo-se por situações de crise aquela em que não haja outra maneira de salvar a continuidade da vida do Estado, de preservar a ordem pública, de assegurar o bonnum comune, de garantir a segurança do Estado. No exercício deste jus eminens de salvação pública o legislador poderá suspender e, eventualmente, alterar preceitos singulares da Constituição (não a Constituição no seu conjunto, porque em tal caso cai-se no domínio de uma outra fonte revogatória da Constituição, que é a revolução). O controle da observância destes limites subjectivos e objectivos do direito de necessidade estará confiado aos órgãos que, segundo a Constituição considerada, tiverem o encargo normal de velar pelo respeito dela.

Que uma tal orien tação doutrinal está de acordo com os princípios ou valores jurídicos dominantes entre nós no próprio campo do direito constitucional resulta hoje de que ela se encontra perfilhada e acolhida pela própria Constituição, não só no artigo 177.º-A, já citado, como ainda em outros preceitos (artigos 72.º, § 1.º, 80.º-A, 84.º, alínea a), 85.º e 91.º, n.º 8.).

E tanto ela se impõe que, ainda antes de ser incluído na Constituição o artigo 177.º-A., o legislador comum editara normas destinadas a assegurar a continuidade da vida política da Nação em caso de guerra e de estado de necessidade (Lei n.º 2084, de 16 de Agosto de 1956), sendo curioso notar que aí se previa e prevê a possibilidade de nessas circunstâncias excepcionais a capital política poder ser mudada para qualquer ponto do território nacional (base XXX).

Por toda a parte circunstâncias de crise justificam um direito de necessidade, ainda que a Constituição o não preveja. Recorde-se, a propósito, o que suce limites do estado de necessidade. A solução estava, assim, encontrada, dentro das normas a observar em geral na integração das lacunas da lei (Y. Oppenheimer, «Governments and Authorities in Exile», in American Journal of International Law, 1942, p. 582).

Em conclusão: não nos parece que possa ser fundadamente impugnada a legitimidade constitucional da lei em que virá a converter-se a presente proposta, de lei, quer enquanto prevê que o Governo do Estado da Índia passe a funcionar noutro ponto do território nacional, fora de Goa, quer enquanto disponha, noutras matérias aí reguladas ou a regular, em termos divergentes do texto da Constituição. A proposta de lei encara apenas a transferência para Lisboa do órgão político-administrativo supremo e do órgão legislativo da província, nada prevendo quanto aos tribunais do Estado da Índia. Parece a esta Câmara necessário dispor que os tribunais de comarca e da Relação de Lisboa serão, para todos os efeitos, considerados como tribunais do Estado da Índia enquanto a situação de ocupação estrangeira se mantiver.

Em matéria de tribunais administrativos, dado que o Conselho Ultramarino e o Tribunal de Contas funcionam na metrópole,, apenas interessa dispor quanto ao Tribunal Administrativo da província. Não parece necessário instituí-lo em Lisboa ou considerá-lo para aqui transferido. A sua competência pode passar transitoriamente para a 1.ª subsecção da secção do contencioso do Conselho Ultramarino, funcionando a secção do contencioso, em reunião conjunta das- suas subsecções, como instância de recurso, isto é, com a competência que ora em geral pertence justamen te à 1.ª subsecção.

Exame na especialidade Discutida já a questão da legitimidade constitucional desta base, apenas se farão agora alguns reparos quanto nos pormenores do seu conteúdo e quanto à sua redacção.