Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os, madeirenses cultivam a terra com amor e com carinho e emigram muitas vezes para países estranhos, ali trabalham, mourejam, sacrificam-se, poupam e economizam, na ideia de voltarem um dia à ilha onde nasceram e possuírem também uma terra e uma casa junto à terra e à casa que foram de seus pais ou de seus avós. Nas regiões, como u da ilha da Madeira, densamente povoadas, de propriedade fraccionada e dividida, onde o culto e o amor da terra são vocações ancestrais e profundas que se identificam e concretizam em locais determinados e que são para o agricultor todo um património de lembranças e de esforços, não se devem impor, pela coacção, medidas que possam obrigá-lo a abandonar aquilo que é o seu pequeno mundo e a sua própria vida. O emparcelamento coercivo teria consequências sociais que anulariam, por completo, todos os benefícios económicos que se pretende atingir.

De resto, na nota explicativa de S. Ex.ª o Secretário de Estado da Agricultura da alteração proposta pelo Governo a base XXVI do texto sugerido pela Câmara Corporativa diz-se que a espera-se que nunca será necessário impor o emparcelamento».

Se não será necessário impor o emparcelamento, não vemos razão para decretar o seu carácter coercivo. Nem se diga que a disposição legal que o permite funcionará como um meio de atemorizar os mais intransigentes ou rotineiros. Não é pelo temor que as leis desta ordem se impõem, mas sim pelo convencimento e persuasão daqueles às quais se destina.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Dou, pois, o meu voto à proposta da Câmara Corporativa, precedida de um relatório a todos os títulos notável.

Vamos instituir, entre nós, o emparcelamento da propriedade rústica. Sejamos moderados e prudentes na sua primeira aplicação. A observação, a experiência, a lição dos factos, as conclusões da Junta de Colonização Interna, aconselharão posteriormente quais os ajustamentos e as correcções a fazer na lei que a Assembleia Nacional vai agora votar.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Ernesto Lacerda: - Sr. Presidente: suponho existir unanimidade na Assembleia quanto à utilidade do emparcelamento da propriedade rústica nas regiões onde a fragmentação predial constitui entrave à modernização da agricultura e às exigências do progresso técnico. Os vícios da estrutura agrária verificados no nosso país constituem, efectivamente, males tão graves e obstáculos tão fortes à evolução desejável da actividade agrícola que combatê-los constitui tarefa urgente e necessidade imperativa:

A conveniência deste esforço mais avulta se tivermos em conta que cumpre adaptar-nos rapidamente ao novo condicionalismo europeu, em cujo clima as actividades rotineiras, inertes ou retardatárias estão condenadas a soçobrar como categorias económicas sem futuro e sem esperança.

Reconhecendo o interesse nacional da reconversão da agricultura e da reforma das suas estruturas, a Assembleia aplaudiu os princípios fundamentais da proposta em debate e os seus objectivos inspiradores.

Neste coro de louvores, uma sombra porém surgiu - a do princípio coercivo-, a imprimir à discussão uma vibração apaixonada e um tom inabitual nos debates da Assembleia.

Q problema em causa justifica, porém, o calor da controvérsia?

Qualquer que seja a posição que se tenha sobre o problema, num ponto parece haver coincidência de atitudes, acordo total de princípios.

E o de que serão inúteis todos os esforços, estéreis todos as diligências, improfícuos todos os planos, perante um clima hostil da lavoura e a sua falta de compreensão e de cooperação no sentido de se realizarem as finalidades a atingir.

Sou de uma região de propriedade dividida e onde ainda há bem poucos anos o arranque das videiras americanas foi assinalado por trágicas consequências, claramente demonstrativas da ineficácia e inconveniência dos métodos de coerção.

Daqui tirei um ensinamento - o de que impor, violentar, constranger, não representara normas aconselháveis nas sociedades onde o geometrismo económico e a tecnocracia não constituem, ainda, princípios válidos ou regras imperativas da vida económica.

Os coletes-de-forças, os processos colectivizantes, as imposições das repartições públicas, desconhecedoras tantas vezes das realidades, da vida e da natureza profunda dos homens, repugnam, por princípio, ao modo de ser nacional e votam ao malogro as providências, ainda que úteis, inspiradas em tais métodos.

Se se deseja fazer obra proveitosa e alcançar resultados duráveis, comece-se por onde se deve começar - pela voluntariedade - e espere-se que a doutrinação paciente, as virtudes da demonstração e as sugestões do exemplo criem progressivamente o ambiente necessário à obra a empreender.

Só assim o emparcelamento terá as condições de êxito a que todos aspiramos e que são indispensáveis para que a agricultura nacional atinja o nível de progresso a que deve ascender, como factor da prosperidade do Puís.

Mas, se esta perspectiva se não verif icar, o Governo, após a necessária experiência, poderá então - e só então - decretar por via compulsiva, as medidas convenientes para vencer inércias, superar rotinas e impor aos egoísmos individuais os imperativos de interesse colectivo.

O que se perder agora em tempo pode ganhar-se mais tarde em segurança de processos, em amplitude de esforço e em acrescida intensidade de acção.

Esta me parece ser, atentos os dados concretos do problema, a fórmula de síntese que harmoniza todas as posições e concilia todas as divergências.

O meu voto será inspirado nas considerações que acabo de produzir e ainda no conhecimento que tenho dos meios agrícola, da mentalidade que os caracteriza