O Orador: - Se esse esclarecimento não resultar da leitura que vou fazer até ao fim do meu discurso, procurarei dizer a VV. Exas. porque é que entendo isso.

O Sr. Pinto Carneiro: - Seria conveniente que V. Exa. precisasse exactamente o que é que quer significar com sofisma constitucional, para depois se ver se o que vai dizer está certo ou não com esse conceito; se através da política que V. Exa. reputa errada, mas quê nós consideramos que está certa, se está a violar a Constituição através de expedientes que não são aceitáveis.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Pinto Carneiro: - Portanto, temos de saber primeiro qual é esse sofisma constitucional a que V. Exa. se referiu, e por isso é que pedimos a V. Exa. que, antes de prosseguir, nos diga o significado desse conceito de sofisma constitucional.

O Orador: - Nós, os naturais de Angola ou de qualquer província ultramarina, ansiamos ser tratados aqui, e em toda a parte, como naturais de território nacional, e com a mesma identidade com que são tratados os naturais da metrópole.

O Sr. Pinheiro da Silva: - E não tem sido assim?

O Orador: - Eu respondo a um por um, ou a facto por facto, mas não posso responder a tudo e a todos ao mesmo tempo.

O Sr. Presidente: -O que é que V. Exa. chama um sofisma constitucional?

É a isto que V. Exa., querendo, terá de responder, e, não querendo, terei eu de tomar qualquer posição.

O que é preciso, antes de mais nada, é que V. Exa. explique a Câmara o que é que entende por sofisma constitucional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pedia a V. Exa., Sr. Presidente, que, na medida em que eu pretenda explicar o meu ponto de vista, V. Exa. consiga que eu deixe de ser interrompido, constantemente, pelos meus colegas.

O Sr. Presidente:-Mas V. Exas. está equivocado. V. Exa. só pode ser interrompido com autorização sua. Se não autorizar, não consentirei que o interrompam.

O Orador: - Então vou continuar, mas não permitirei que me interrompam.

O Sr. Presidente: - Agora sou eu que peço a V. Exa. que, antes de prosseguir, esclareça o que entende por sofisma constitucional.

O Orador: - Sr. Presidente: vou procurar explicar a minha ideia. A Constituição considera todos os territórios nacionais com a configuração de províncias e entende que todos os territórios do ultramar são províncias. Até aí está tudo muito certo, mas o que não vejo é a materialização dessa ideia.

Quando embarquei para tomar assento nesta Assembleia, verifiquei que na Alfândega de Luanda me abriam as malas, procedendo a uma diligência alfandegária...

O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - Eu sou dos Açores e sempre que viajo entre as ilhas e a metrópole me obrigam a abrir as malas nas alfândegas.

O facto pode aborrecer-me, mas nem por isso me dá o direito de pensar que esteja diminuída ou- abolida a igualdade de direitos dos cidadãos, adentro do conjunto da soberania nacional.

Também não sei em nome de que distorção de espírito ou de que ódio recalcado se pode classificar de sofisma constitucional semelhante medida de simples natureza fiscal.

O Sr. Joaquim de Jesus Santos: - Dentro da própria província de Angola, que é unitàriamente uma parcela territorial, o fenómeno alfandegário se verifica.

O Sr. Presidente: - Peço que não interrompam o orador. É claro que, se o facto de haver barreiras alfandegárias pode interpretar-se como significando que aquilo a que se chama província deixa de o ser, estamos em presença, como dizem os nossos irmãos brasileiros, de um verdadeiro desaforo de linguagem.

O Sr. Armando Cândido: - O orador não explicou cabalmente o que quis dizer com a expressão «sofismas constitucionais», e um esclarecimento completo parece-me de todo necessário, neste caso, até mesmo para se medir a tempo aquilo a que V. Exa. chamou, e muito bem, um desaforo de linguagem.

O Orador: - Não desejava continuar sem esclarecer uma dúvida. Não estou a discutir nem a pôr em dúvida que Angola seja terra de Portugal. Nem teria coragem para ter assento nesta Câmara se tal me passasse pela cabeça. Estou a defender o nome de Portugal e não posso permitir que alguém o ponha em dúvida. Pretendo fazer uma crítica construtiva, porque reputo existirem factos graves a que urge dar remédio. Nós temos de continuar em toda a parte do nosso território ultramarino. Ninguém o nega. Mas o facto de eu vir aqui fazer críticas que julgo deverem ser feitas não autoriza os meus ilustres colegas a duvidarem da minha portugalidade.

É que, se a África não comporta já a dominação do preto pelo branco, por maioria de razão não pode comportar o domínio dos seus naturais ou aí residentes pelos metropolitanos.

E nem se diga que o problema, na sua configuração actual, é tão-sòmente um problema de elites que as províncias ultramarinas ainda não produziram no seu seio, já porque é por de mais sistemática a total exclusão os valores locais, já porque assim se encobriria com uma injustiça a nossa obra civilizadora de cinco séculos.

E está ainda errada essa política quando pensa que pode achar-se qualquer solução, no sentido definitivo do bem nacional, com golpes de força ou discricionárias, medidas policiais que ao seio dessas parcelas da mãe Pátria têm roubado alguns dos seus filhos mais queridos....

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - ... na persuasão, e só na persuasão, de ideias autonomistas que não existiram nunca, muito embora talvez se possa reconhecer que estes, como imperativo de sobrevivência e para além de todos os sacrifícios de ordem pessoal, tenham aceitado como forçosa uma certa acção com vista a moralizar aí a governação e dar realidade a uma ampla reforma social.