E porque está assim errada essa política, profundamente errada, não vejo que outro remédio possa haver que não o de corrigi-la na medida em que o ditarem os interesses do País e com a urgência que nos é imposta pela hora que vivemos, hora não só difícil, mas também definitiva.

Aliemos pois a nossa capacidade e possibilidades de acção a uma política dê verdade e comecemos por reconhecer, com humildade cristã, que persistir é fazer mergulhar o País na maior tragédia da sua história e que há que pôr um dique a todo esse estado de coisas que fez com que a vida administrativa ultramarina constituísse uma colossal mentira.

Aceitemos ainda a livre discussão do problema, dando a ela acesso a todos os portugueses de boa vontade, e torne-se claro que, qualquer que seja o jogo diplomático em que o Governo entenda dever empenhar-se, lhe não será lícito ignorar a vontade da Nação. Aqueles passam e esta fica.

Por mim, que aqui estou com grande sacrifício e que não sirvo os interesses de ninguém que não os dela, e posto que bem saiba que o desconhecimento de certas realidades por parte dos que me escutam há-de acarretar-me sérios dissabores, com o apoio desta Câmara ou sem ele, mas em todo o caso com o apoio da razão, entendo que fielmente desempenharei o meu mandato sempre que nesta Casa afirmar que a nossa actual política ultramarina carece de total revisão e que, salvaguardados os legítimos direitos da soberania portuguesa e os superiores interesses da nossa cultura e da civilização ocidental, deverá nortear-se no sentido de uma total descentralização, administrativa, aliás já prevista na base LV da Lei Orgânica do Ultramar- Lei n.º 2066, de 27 de Junho de 1953 -, e ainda - olhando a realidade de frente e com a coragem que me é imposta pela honestidade de bem e fielmente cumprir o meu dever - no da descentralização política que for exigida pela necessidade de se manter aí uma paz não armada.

Agir de outro modo será apenas enunciar incapacidade orgânica e funcional deste Ministério e na absurda pretensão de se comandar à distância a vida desses território» que reside a causa principal de muitos dos insucessos da nossa missão civilizadora e colonizadora e de todos os graves males de que hoje estamos a sofrer as inevitáveis consequências.

O Sr. Francisco Roseira:- Muito bem!

O Orador:- Angola - e como Deputado por Angola penso que apenas me cabe aqui o direito de falar- dela está, na verdade, carecida de uma ampla reforma social que encare, como condição básica para a sua paz e o seu progresso, uma acentuada melhoria do nível de vida das suas populações, designadamente das suas populações indígenas;

Está carecida de que se apaguem, tanto quanto possível, e através de uma efectiva confraternização de raças, os ódios que se geraram por toda a parte na confusão dos dias do terrorismo;

Está carecida que de que se quebrem de vez os amarras que impedem o seu desenvolvimento económico, designadamente no campo industrial;

Está carecida de que sejam chamados à sua governação, os homens que nela vivem, nó legítimo pressuposto de que melhor conhecendo os seus problemas melhor poderão resolvê-los;

Está carecida de que lhe restituam, urgentemente todos os seus filhos actualmente com residência fixa aqui, que foram obrigados a abandoná-la apenas por terem cometido o crime de a amarem e de a desejarem próspera e feliz;

Vozes: - Não apoiado!

O Orador -Está carecida de uma imprensa livre, para que esta possa cumprir com dignidade á missão de vigilância que lhe compete;

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - Só que, enquanto não estiver resolvido aquele problema de base, ou seja- o da total descentralização, não é possível resolver estes e tantos outros

problemas, visto que é nela que reside a condição essencial da sua solução, quanto mais não seja por as populações já não acreditarem no esquema vigente.

Persistir neste e tentar soluções será pois e apenas «tentar endireitar a sombra de uma árvore torta»

Quanto à urgência com que se impõe esta viragem, quase diria que nem sequer há tempo para a discutir, descortinado que assim está já o perigo que a Nação corre de, além do mais, perder os seus legítimos e tradicionais espaços económicos, porquanto exigindo-se-lhe, como processo de ocupação e de permanência; um grandioso esforço de investimentos além-mar, se não sente todavia tentada a fazê-los, dadas as inseguranças e os receios do futuro próximo, o que fatalmente arrastará consigo nesta linha de rumo actual a sua substituição por outros capi tais menos tímidos e mais poderosos, como remate lógico de certos jogos diplomáticos ou da concessão de certas facilidades em troca de unia ilusória e fugaz estabilidade, política.

E hão-de, por certo, viver a mesma angústia de urgência os que, devotados aí a uma missão espiritual em que se acham vivamente empenhados desde há séculos, sentem que se está cavando entre os grupos étnicos aí radicados um abismo, o qual, na coerência da mesma cegueira que o formou, há-de acabar por ser túmulo do nosso grande sonho de lusitanidade por terras de África, se porventura não houver já tempo de demonstrar que, a despeito dos erros cometidos, é real o amor que à sombra da cruz dê Cristo espalhámos pelo Mundo:

Resta-me dizer que, por muito que tenha congeminado no sentido de encontrar uma outra solução que nesta hora grave menos distanciasse o estado de coisas