A tal propósito cumpre não esquecer as considerações do Prof. Paulo Merea, invocando Joaquim Gosta, sobre a necessidade do estudo do direito consuetudinário, ensinando no Boletim Aã Faculdade de Direito de Coimbra, VII, p. 146, que aos juristas têm feito gala em desconhecer as instituições e costumes com que a razão espontânea e original do povo corrigiu os vícios ou preencheu lacunas das legislações exóticas que as vicissitudes do tempo lhe impuseram».

Pois bem, será neste clima que convém considerar o diploma que nos é proposto.

Não excluindo os seus termos gerais, cumpre que por ele se não desvirtuem as regras de conduta jurídica que têm dado tão satisfatórios resultados na vida agrícola, è não pouco têm contribuído para a paz social do Norte do País, não obstante as crises que o afectam, mais resultantes da conjuntura económica do que de vícios da estrutura associativa fundamental.

Do Sul não me compete falar, mas penso que as linhas gerais do diploma deiro a dar melhor conta do seu recado.

Torna-se assim evidente que o Norte - quando do Norte falo refiro-me sobretudo ao Minho -, nesta transacção quanto ao prazo em relação ao que tem sido tradicional até 'hoje, vê dilatados os períodos de renovação, deixando de os ver vinculados à lei natural das culturas normais no terreno. No Sul vêem-se reduzidos em relação aos costumados afolhamentos, que os pautavam até à volta dos nove anos. Admito que no Minho haja vantagem em elevar, com as novas culturas intensivas de batata, plantas industriais e ainda atendendo à reprodução 'do gado vacum, o respectivo ciclo cultural para o triénio, mas não mais, numa cultura média equilibrada.

Em princípio, seríamos, pois, de opinião que para o Norte, onde se verifique o regime de caseirato supra-referido, o período mínimo de arrendamento poderia fixar-se em três anos. E, se a Assembleia encontrar uma nova fórmula razoável para os prazos dos contratos se adequarem aos respectivos ciclos culturais segundo as regiões, apoiaremos essa solução.

Caso se vote o prazo de seis anos, este passaria assim a corresponder a um duplo ciclo de três; é como se fosse uma recondução obrigatória. Se, como não noa cansámos de o repetir, afinal o arrendamento tem sido de uso tender a perpetuar-se, não será disso que venha grande mal, descontando mesmo a penetração de propaganda política eleitoral ou outra a que os caseiros não escaparão, supostos mais emancipados por este diploma da influência dos senhorios.

Creio, no entanto, na estabilidade das suas virtudes tradicionais ordeiras e cristãs, mesmo que a final seja votado esse prazo mínimo de seis anos.

Vejamos agora outro ponto de vincada divergência entre o Norte e o Sul alentejanos com influxo na economia destes contratos: o. das benfeitorias.

No Sul é tradicional, como contrapartida da prolongada duração dos arrendamentos, tocar aos rendeiros - geralmente abonados de capital - fazê-las. No Norte não estão os caseiros geralmente em condições de as poderem fazer substancialmente. Tem de ser sobretudo ao senhorio que isso cabe. E como se têm desempenhado dessa função - já o dissemos - podem apresentar-se os investimentos que continuam a aplicar naquelas terras, não obstante a depressão que vem sofrendo o valor da maioria dos produtos da terra, quer pela sua baixa internacional, quer por tabelamentos, quer devido à intervenção gananciosa de cambões discretos de intermediários.

O Sr. Azevedo Coutinho: - Muito bem!

O Orador: - V. Exa., na sua oratória de há dias, referiu-se a esse caso realmente calamitoso.

O Sr. Azevedo Coutinho: - Posso, se V. Exa. me der licença, dar um exemplo deste ano. Os exemplos repetem-se com uma frequência de causar preocupações.

A carne de porco, que no ano passado era vendida a 280f, está este ano a 200$, e, no entanto, a salsicharia continua a vender os produtos ao mesmo preço.

O Orador: - Agradeço a V. Exa. essa achega a ilustrar o que acabo de dizer.

Uma rápida inspecção a voo de automóvel bastará, creio, para revisão de tantas ideias feitas contra os proprietários da minha província em nome de princípios discutíveis e imprecisos de uma suposta justiça ofendida, e, o que é pior, interpretada como tal retroactivamente. E desta forma a tendência a julgar-se como crescentemente reparador da arguida lesão tudo quanto se faça a favor da parte realçada como a mais débil. Neste despertar do complexo de supostos ressentimentos, a mais certa pólvora para a luta de classes onde nunca a houve e nacionalmente cumpre evitar.

Decerto que há uma importante obra agrária a edificar, que só com grandes investimentos será possível levar a cabo, para bem de todos quantos dá terra vivem; mas isso sadiamente só poderá ir-se realizando, não com dissídios, mas pela colaboração de todos, não num espírito de produtividade de critério meramente económico, mas sim de produtividade, mas temperada de caridade cristã.

Nos inquéritos geralmente feitos à lavoura regional há tendência a notar-se o subdesenvolvimento dos caseiros que laboram no campo. Com justiça não poderão dizer que seja muito melhor a dos proprietários produtores directos vizinhos, frequentemente por virtude das partilhas sucessivas, com unidades de exploração desequilibradas e insuficientes. E- já nem falo à esquerda dos caseiros, na maior parte dos jornaleiros, cuja situação é ainda bastante pior.

Com certo sobressalto de justiça, em todo o caso, o Prof. Lima Bastos, chefe de fila de mestres económico-agrários, não deixou. de reconhecer no volume IV, p. 107, do inquérito colectivo que dirigiu, apreciáveis