Já nesta Câmara, ouvi chamar à agricultura «irmã pobre» e à indústria «irmã rica». Tem foros de veracidade tal asserto, dentro do relativismo que as coisas comportam.

É acentuada a diferença entre o salário agrícola e o salário industrial, tomando como referência o trabalhador não especializado e, portanto, desprovido de qualquer aptidão específica profissional.

No triénio de 1953 a 1956 o salário industrial, remunerador do trabalho do homem avantajou-se ao salário agrícola numa percentagem oscilante entre 50 e 85 por cento; e o salário da mulher, em idênticas condições, sofreu um acréscimo variável entre 50 e 105 por cento.

Acresce que, enquanto o assalariado industrial trabalha, normalmente, 300 dias anuais, o assalariado rural trabalha, em média, 200 dias, uma vez que o processo agrícola depende de um instável condicionalismo inerente à natureza das culturas e às variações climáticas.

As condições de habitação e salubridade do trabalhador rural apr esentam, por vezes, um primitivismo desolador e até desumano.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O velho aforismo mens sana in corpore sano a custo encontrará ali viabilidade.

Repare-se que 94 por cento das famílias rurais não têm quarto de banho e 75 por cento não dispõem de uma simples instalação sanitária.

O Sr. António Santos da Cunha: - E qual será a percentagem, dos trabalhadores da indústria que terão quarto de banho?

O Orador:- Pode faltar-lhes quarto de banho, mas podem ter um poço e uma fossa e, todavia, na agricultura 70 por cento dos trabalhadores não têm fossa nem esgotos. Portanto, a diferença é grande.

O Sr. António Santos da Cunha: - Não estou a contrariar o pensamento de V. Ex.ª, que vem ao encontro daquilo que aqui tenho sempre defendido.

O Orador: - Mas aceito todas as interrupções, quando sejam para me esclarecer. Peço a todos os ilustres colegas que me esclareçam quando necessário, porque a verdade está acima de todos os interesses.

Como dizia, 70 por cento das famílias rurais não têm esgoto nem fossa e 80 por cento não usufruem o benefício de água canalizada e nem sequer logram o progresso da electrificação domiciliária.

Uma grande parte das casas são térreas, de divisões acanhadas, cobertas de telha-vã, por onde o luar entra com a leveza de uma asa, mas por onde as ventanias sopram com a aspereza dos Invernos desabridos.

Na indústria há horário de trabalho, há seguro, há abono de família, há reforma, há férias pagas.

Mas quase nenhum destes benefícios agasalha, sob a sua tutela, o trabalhador rural.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Neste aspecto são dignos do maior louvor os serviços florestais, que já concedem o abono de família aos seus jornaleiros, despendendo para este fim em 1960 a quantia aproximada de 3700 contos e demonstrando que a solução deste magno problema, embora difícil, não é impossível.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O trabalhador rural, embora subalimentado, modesto no seu vestuário, comedido nas suas exigências, é, contudo, portador de altos valores cívicos e morais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tenho especial predilecção pelo trabalhador rural. Conheço a maré viva da sua sensibilidade, a nobreza da sua resignação, a candura da sua alma simples, que mistura as suas desilusões com os cantares à desgarrada; que fala com o céu alto e reza pelas estrelas...

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Já dizia o antigo prior da minha terra que o nosso povo se conduz com um fio de seda; a questão é saber levá-lo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Muito obrigado pela sua interrupção.

Tenho realmente predilecção pelo trabalhador rural, que é dotado de um incendido patriotismo, muitas vezes feito de músculos, de nervos, mas sempre pletórico dos mais nobres impulsos ancestrais da raça portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nas suas mãos calejadas e no seu rosto requeimado por mil sóis também germinam, em idílica transfiguração, belezas desconhecidas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: parece ter chegado a hora em que o trabalhador rural deve ser bafejado pela alvorada de novas esperanças.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sem mais delongas, urge dimensionar as coordenadas de tão momentoso problema, elaborando-se o estatuto da assistência e da previdência do trabalhador rural...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... a lei específica do trabalho agrícola, respeitante à fixação de salários, às condições da prestação de trabalho, duração e estabilidade do mesmo.

Cumpre envidar porfiados esforços para diminuir o número de assalariados, estruturando-se as indústrias regionais complementares da agricultura, facilitando-lhes a transferência para outros sectores da produção e proporcionando-lhes condições de acesso à plena propriedade que eles possam cultivar directamente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tem de insuflar-se maior vitalidade às Casas do Povo, que, bem organizadas e competentemente dirigidas, relevantes serviços poderão prestar.

Sr. Presidente: não quero finalizar esta desluzida intervenção...

Vozes: - Não apoiado!