Os sábios, que são teimosos e nunca ficam pela rama dos assuntos, persistindo laboriosamente na construção dos institutos, pedra a pedra, de tal modo que, uma vez levantados, se lhes fica a conhecer o perfil e a grandeza, explicam assim o problema.

A propriedade privada, na sua forma geral e abstracta, é um instrumento de interesse nacional, e não uma técnica ou uma função, mas pode, com o seu carácter instrumental, ser sujeita a limitações impostas por determinadas e particulares exigências da tutela do interesse público.

A própria liberdade também tem, de modo paralelo, limites, para que seja verdadeira liberdade.

Uma coisa, porém, é limitar e outra suprimir faculdades que se confundem com o próprio gozo e disposição da coisa.

Na limitação da propriedade não há diminuição da soberania, mas simples contracção do seu conteúdo.

Portanto, a função social exerce-se naturalmente e nunca representa uma anomalia do próprio direito; tal como a soberania, é norma lmente limitada e nunca significa poder absoluto.

Em homenagem à solidariedade social, encontra-se a propriedade denominada pela contemplação de dois interesses - o individual e o social.

Assim, não há diminuição ou enfraquecimento do direito, no exercício da função social, mas tão somente a definição do seu conteúdo normal.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: deixo em paz o textos, ignoro as leis fundamentais do regime e passo a auscultar-me a mini próprio.

Tenho atrás de mim, alinhados na revista de intermináveis gerações, aqueles avós que, segurando firmemente a rábica do arado, afeiçoaram suas terras e, amorosamente, lhes lançaram as sementes.

Depois, recolhi no Alentejo, na comunhão da gente da planície, o magnífico exemplo dos grandes lavradores que acompanham a vida da seara, a respiração dos gados e o latejar de toda a faina do campo, pontificando naquele ritual tão rico de experiência que transformou a terra em celeiro da Nação.

E sempre as lavras se fizeram e os celeiros se encheram, por séculos e séculos, em terra própria e em terras arrendadas.

A lei do arrendamento rural não pode minar nem destruir nos seus mais firmes alicerces a tradicional harmonia de senhorios e rendeiros, ...

Vozes: -Muito bem !

O Orador: - ... harmonia essa que é a regra que muitos de nós podemos testemunhar, harmonia nascida no cumprimento da palavra dada, fortalecida na confiança pessoal e amparada pela mútua expectativa da colheita.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A lei precisa, sobretudo, de favorecer a terra, impedindo os desvios que o egoísmo dos homens cometeu, saindo dos rectos caminhos do instituto para as veredas ínvias de uma disfarçada usura.

As disposições legais têm de ser forjadas para servir a terra, pois só na medida em que beneficiem a agricultura constituirão um capítulo de política sã e progressiva.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: -Tenho de negar o meu voto a tudo quanto represente uma aresta, um bico, um ponto de fricção, nas relações de senhorios e rendeiros.

Tenho de negar o meu voto a tudo quanto contribua para afastar o proprietário da terra, dos seus problemas e das suas dificuldades.

Tenho de negar o meu voto à despersonalização do contrato e à criação de rendeiros que o senhorio não tenha escolhido ou desejado.

Só a paz fecunda fará crescer as promessas e durar os arrendamentos. Não posso dar o meu voto às perigosas inovações que sacrificam o direito de disposição do senhorio à vontade do rendeiro.

Não acredito que este possa permanecer para além do contrato de costas voltadas pára o senhorio, um e outro de nariz torcido, sem grave prejuízo dos interesses da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Desprende-se desta norma uma forte solidariedade - denominador comum de todo o direito agrário -, que conduz o senhorio à obrigação de amparar o rendeiro no caso de perda de produção, de modo que este não seja compelido a desfazer-se dos meios de que precisa para prosseguir.

Esta razão, conjugada com a própria justiça comutativa, confirma a natureza particular deste contrato de locação, que não pode ser confundido, nem de perto, nem de longe, com o contrato de locação de prédios para habitação, comércio ou indústria.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - A transformação do arrendamento em contrato vitalício, ou até por duas vidas, se vingasse a doutrina da transmissão por morte do arrendatário, afasta-se também da tipicidade dos contratos agrários e arrasta o instituto para o terreno dos direitos reais, onde se acomodam a enfiteuse, o usufruto e a colónia perpétua.

O Sr. Proença Duarte: - V. Ex.ª dá-me licença para lhe pedir um esclarecimento?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Proença Duarte: - Estou seguindo com o maior interesse e entusiasmo a brilhante exposição de V. Ex.ª Em face da afirmação que acaba de fazer, pergunto se V. Ex.ª pode esclarecer-me como é que a enfiteuse, tendo constituído, e constituindo ainda, um instituto jurídico, que foi criado com objectivos de fomento económico, não só não prejudicou, mas antes promoveu, o desenvolvimento da propriedade rústica, e, assim, da economia nacional, sem prejuízo das boas relações