O Sr. Pinheiro da Silva: - Parece-me que não devemos pôr o problema de que podemos dar a impressão de que esta Câmara não possui plena liberdade de discussão, porque a tem.

E tanto assim é que os Deputados pelo ultramar e pela metrópole se referiram já a problemas importantes ou melindrosos ...

Simplesmente, a linguagem empregada é que deve ser sempre a mais própria, insusceptível de várias interpretações ...

O Sr. Armando Cândido: - Bastará que as questões sejam postas e discutidas com o espirito verdadeiramente construtivo e verdadeiramente nacional, nos termos ditados pela consciência das responsabilidades e pelo sentido de elevação, que nunca devem deixar de reger a conduta de todos os Deputados nesta Câmara.

O Sr. António Santos da Cunha: Foi o que não sucedeu ...

O Sr. Burity da Silva: - Desejaria corroborar, e tenho nisso o maior prazer, os pontos de vista que aqui se expuseram em redor do útil tema que V. Exa. tem estado a desenvolver nesta Câmara acerca de unidade nacional.

Unidade nacional significa uma compreensão total de tudo e de todos que constituem a Nação. A nossa Nação está dispersa urbi et orbis e necessariamente que há interesses específicos de cada uma das parcelas que constituem a Pátria.

Bom é que o Mundo e muitos maus portugueses compreendam que quando se põe aqui um problema específico, quando se discutem interesses de determinada parcela, quando se discute a própria lei que, por razões naturais, necessita de ser revista, quando se discute a revisão de sistemas e de processos e até da própria Constituição, que não poderemos considerar intangível, porque, sem dúvida,- aquilo que antes estava certo pode já hoje não estar, o temos de ligar à lei inevitável das inevitáveis evoluções.

Há um ponto: tudo quanto se fizer não se pode afastar sem traição, não só do conjunto das partes, dos interesses comuns, pois que divisionismos não podem existir.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Burity da Silva: - Quando o Mundo se agrega e se agrupa em interesses é inconcebível que fôssemos admitir divisões. Somos poucos, todos somos poucos para realizar a tarefa dos interesses de todos nós.

A comunidade tem de coexistir não só à base de direitos históricos, como também à base do interesse de todos que a constituem.

Desejaria que se entendesse que nesta Câmara todos nós podemos trazer as aspirações de cada uma das parcelas que constituem o território português, que todos nós podemos trazer as reivindicações das diferentes partes que compõem a Nação Portuguesa. Mas é também preciso entender-se que há uma coisa em que não transigimos: a unidade nacional, essa unidade de todas as parcelas da Pátria, que tem de ser revista, acertando os nossos passos, porque o erro não é só nosso e a conciliação è uma necessidade que se impõe e que todos nós temos necessariamente de entender. Nas discussões tudo deverá ser bem recebido, para bem da Nação, desde que, repito, se tenha sempre em vista a sua unidade.

O Orador: - Agradeço a V. Exa. as suas brilhantes palavras, que muito vêm valorizar o meu trabalho.

Mais de uma vez lamentei que nem sempre se tenha dado justa preferência aos mais compenetrados para cada lugar, pondo de lado um crónico nepotismo que tanto tem desacreditado o alto funcionalismo ultramarino.

Sim, Srs. Deputados, é preciso que se olhe mais para os homens bons da terra, para as suas elites culturais e técnicas, quando se trate de preencher lugares de comando; sempre que eles estejam mais capacitados que outros, metropolitanos ou não.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Temos de conseguir, na verdade, mais descentralização governativa, mais autonomia financeira, participação mais intensa das grandes empresas em obras de fomento, ao menos para desfazer o labéu desprimoroso de que elas vivem no ultramar em perfeito regime feudal.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Pinheiro da Silva: - Desculpe-me V. Exa. interrompê-lo novamente, mas V. Exa. acaba de tocar num ponto que é de toda a utilidade ser esclarecido: é o da descentralização.

Na verdade, não pode negar-se que, no nosso tempo, num ponto ou noutro, essa descentralização se imponha. Mas o que me parece confuso é pretender-se fundamentar a descentralização, de que tanto se fala, na história de Portugal.

Quer-me parecer que ela só foi de raro em raro praticada pelos nossos estadistas no passado. E isso até mais por dificuldades de transporte que por outros motivos. O que foi norma na monarquia portuguesa foi a centralização em Lisboa da política e da administração ultramarinas, no essencial.

Com efeito, D. João IV, ao instituir o Conselho Ultramarino, só quis dar corpo a essa orientação, que passou a ser mais nítida. E discutível que ela tenha sido boa em todos os aspectos, mas foi mercê dela que se pôde dar ao Brasil a unidade de pensamento, a unidade de tradição, etc., que são ali realidades palpáveis.

O Orador: - Agradeço mais uma vez a sua preciosa colaboração.

Todos nós o vemos, cá e lá. E o Governo que felizmente nos rege sente-o com acuidade igual à nossa. Mas é preciso que as nossas palavras as dite a sabedoria longamente assimilada, sem a febre momentânea das paixões, que só destroem. Reconhecendo, lealmente, o muito que há para fazer e que urge pôr em marcha, não cometamos a injustiça de condenar o Governo Central. Imensa é a dívida que para com ele contraímos todos, além-mar. Ai de Moçambique, e principalmente de Angola, se não fosse o extraordinário esforço militar que a Mãe-Pátria corajosamente fez.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ter-se-ia instilado lá o pandemónio trágico do Congo ex-belga. E a presença europeia ficaria afogada em lama e em sangue e nós próprios, na costa oriental, acabaríamos por abandonar a província em