O Sr. Deputado Videira Pires veio, pois, com brilho, ao encontro de uma tese essencial dos temas que tenho aqui desenvolvido, tese que há seis anos abordei num escrito de despretensioso relance acerca da consciência indo-lusíada do Estado da índia, e valorizou-a consideràvelmente.

Mas valerá a pena acrescentar agora algumas palavras que eu então não disse, porque se aplicam especificamente a Moçambique, e o ilustre Deputado omitiu também, com prejuízo da Câmara.

Trata-se de que, quanto ao sentido ecuménico do nosso ser político, em que na África Oriental somos parte componente de um mesmo Portugal incomparável e único, não poderia nunca surgir o separatismo, a menos que praticássemos um colonialismo segregacionista e discriminativo que excluísse o ultramar do dever de responsabilidade nacional e conferisse exclusivamente à metrópole o dever de responsabilidade colonial.

Não é assim, pelo princípio da solidariedade, e existe por isso um dever amplamente nacional do ultramar, que necessàriamente abrange um dever de responsabilidade pela própria metrópole, dever que aliás está consagrado, não só no artigo 136.º da Constituição, para a vida corrente, como muito especialmente no artigo 177-A, cuja lei reguladora outorga ao ultramar a responsabilidade de recuperar a própria metrópole, se a Nação a perder.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É quase certo que no estrangeiro nunca se entenderá a equação moral desta política, tanto mais que o estrangeiro está habituado a espectaculares reivindicações políticas coloniais contra as metrópoles, e tem assistido a sucessivas abdicações por via delas.

Pois bem: a este respeito mais uma vez se afirma por si a qualitativa originalidade portuguesa, porque o homem, lusíada de Moçambique, e todo que ali queira sê-lo, se mostra disposto a actuar na actual conjuntura nacional, não contra a metrópole, nem a favor dela, mas ao lado dela e com ela, portanto no lugar próprio, pelo valor de um bem mais alto, e superior, porque tudo há-de ser pela Nação.

Vozes: - Muito bem!

metropolitanos, quer interessem apenas à província, quer interessem apenas à metrópole, ou abranjam toda a Nação.

Todavia isto não impediu, nem impede, que pela intensidade da mística lusíada se transmitisse e transmita às próprias populações nativas aquele sentimento de carinho e interesse que é o embrião vivo que há-de frutificar um dia na ontologia da sua portugalidade.

Peço à Câmara que retenha o altíssimo significado do facto, porque originàriamente é isto, e só isto, que obsta entre nós ao nascer e desabrochar dos separatismos internos, que são sempre a consequência natural entre os que vivem no colonialismo puro, que, coerente nas suas formas, é segregacionista no social, mercantilista no económico e individualista no cultural, e por isso evolui para ser outro mundo, separado e oposto.

Peço à Câmara que retenha o significado altíssimo da capacidade sentimental de diálogo do homem lusíada do ultramar, mas também não esqueça que, se distribuirmos a população nativa de Moçambique numa escala de valores portugueses, cristãos e humanos, há massas consideráveis nos graus mais baixos, e não basta o sentimento para as elevar à consciência plena de que são portuguesas tão cheias de direitos como de deveres.

Mas há ainda alguns pontos do importante discurso do Sr. Dr. Videira Pires que se me afigura merecerem a atenção da Câmara, e o primeiro é o de que Moçambique «nunca toleraria qualquer veleidade de radical autonomia». Tal afirmação é por certo excelente, tanto mais que vem de uma genuína fonte moçambicana, e não a ponho em dúvida.

Quero apenas anotar à margem uma observação ligeira, que é o dizer-se no artigo 148.º da Constituição que são garantidas às províncias ultramarinas a descentralização administrativa e a autonomia financeira compatíveis com a Constituição e com o seu estado de desenvolvimento e os recursos próprios.

Segundo vejo, a Câmara entendeu em 1959, ao reformar o Estatuto Constitucional , que a natureza, a forma e os limites das autonomias ultramarinas não deveriam definir-se, mas seriam sempre máximas, isto é, compatíveis com a Constituição, o que se tem cumprido, e reguláveis apenas por factores locais de desenvolvimento e recursos, o que implica progressão sem limite por estes factores, que devem ser permanentes reajustadores das leis.

Mas isto é apenas uma pobre discordância de pormenor, que, aliás, me é também sugerida pelo artigo 134.º da Constituição, em que se estabelecem dois princípios importantes: o primeiro, de que as províncias ultramarinas terão organização político-administrativa adequada à situação geográfica e às condições do meio social; o segundo, de que tal organização deverá tender para a integração no regime geral de administração dos outros territórios nacionais.

É a formulação do princípio claro, não da autonomia radical, que me parece jurìdicamente indefinível, mas da fecunda autonomia necessária, radicada para o progresso, o bem, o valor, a força, a coesão e a honra da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Foi, aliás, a própria Câmara que condenou a centralização ao determinar a progressiva integração político-administrativa de Moçambique no regime geral de administração, e não na própria administração dos outros territórios, designadamente a me-