capaz de colocar as províncias ultramarinas, humana e materialmente, ao nível das províncias metropolitanas ; e isto em curto prazo, sem que para tal se admita o mais ligeiro desvio em relação ao rumo histórico de Portugal.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Não é, pois, para admirar a plena aceitação de propostas que noutro ambiente seriam recebidas com apatia, com estranheza ou mesmo com hostilidade.

Sente-se que é natural e lógico acabar-se com a corrente migratória para países estranhos e canalizá-la para o ultramar; aceita-se, porque inteiramente valida, a ideia da criação de Universidades portuguesas na África Portuguesa; compreende-se em todo o seu significado o interesse de se transferirem para os nossos territórios de além-mar órgãos de soberania da Nação; entende-se como simples medida prática na evolução da nossa política ultramarina uma completa revisão da estrutura e das funções do Ministério do Ultramar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A Assembleia Nacional está, pois, sentindo e vivendo integralmente a missão ultramarina de Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso me atrevo a esperar encontrar eco para o que penso acerca de uma questão que se me afigura de importância vital dentro da problemática do ultramar português. Refiro-me à necessidade da revisão do estatuto que rege o sistema da administração política do ultramar.

Sr. Presidente, Sr s. Deputados: no que respeita a organização politico-administrativa dos nossos territórios ultramarinos, dispõe a Constituição, no final do seu artigo 134.º, que ela deverá tender para a integração no regime geral de administração dos outros territórios nacionais.

Se se entender, como parece natural, que estes «outros territórios nacionais» são os mais avançados em matéria de desenvolvimento social e político, era lícito esperar-se que a máquina estivesse montada de modo a que aquela integração se tivesse vindo a processar gradualmente até poder culminar mais tarde ou mais cedo na transformação radical dos antigos sistemas administrativos num sistema único de estrutu ra paralela ao que está montado na metrópole.

Aquela tendência uniformizadora, assim expressa na Constituição, é, aliás, uma perfeita concretização dos nossos objectivos últimos em matéria de política ultramarina - a criação de prolongamentos espirituais, materiais e políticos desta pequena casa lusitana (note-se que, quando digo prolongamento, quero significar ramos iguais de um mesmo todo que é o Portugal euro-afro-asiático, e não domínios diferenciados de um Portugal europeu).

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas o que se verifica é que a máquina não foi assim montada; ao invés de. se orientar a vida administrativa para a integração nacional, tomou-se como definitivo o que dispõe a primeira parte do mesmo artigo 134.º da Constituição, que, como solução provisória, admite outras formas administrativas, de acordo com o desenvolvimento local de cada território, enquanto não se puder realizar a tão desejada integração. Efectivamente, o que vigora em toda a sua força no nosso ultramar desde 1933 é um sistema funcionário maciço, posto em execução pela Reforma Administrativa Ultramarina. Quer dizer: enquanto o preceito constitucional em causa é de essência eminentemente evolutiva, e, portanto, dinâmica, o corpo de leis que o regulamenta não mostra tendência para se sair de uma situação que se arrasta desde 1933.

Parece assim, repito, ter-se ficado definitivamente numa posição que só seria de admitir como provisória. E o que esta situação tem, a meu ver, de mais grave e que o sistema, nem mesmo como provisório, seria de admitir, por tomar como base da organização administrativa das províncias ultramarinas uma estrutura funcionária de profissionais da governação civil. Ora é precisamente para este aspecto da questão que solicito a especial atenção desta Câmara e do Governo.

Não é a frequência de cursos especializados, nem o ingresso em quadros do profissionalismo administrativo, que confere aos homens qualidades para a governação dos povos; essas qualidades ou são natas ou se adquiriram por uma longa educação, mas, de um modo ou de outro, o poder da Administração só pode ser outorgado a quem já as tenha revelado e deve ser retirado sem delongas a quem não provar merecer a tremenda responsabilidade que se lhe confiou.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Governante de carreira só o rei, porque esse, «assentando praça ao nascer», foi educado desde o berço para viver integralmente para o seu povo,...

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - ... sem licenças nem aposentação, ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... e aprendeu e habituou-se a sentir que, sendo soberano, é o mais humilde dos servidores dos seus vassalos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No caso do administrador profissional, é natural que se processe uma atitude mental inversa: sem dispor de qualquer poder moderador entre si e os seus administrados, sentindo a sua posição garantida por laços contratuais que estabeleceu com o Estado, sentindo em muitos casos que a sua acção não é convenientemente fiscalizada pelos órgãos hierarquicamente superiores, desde que, por herança ou educação, não tenha as altas qualidades exigidas pelo cargo, por todas as tendências da sua natureza humana é levado a esquecer-se da sua missão de servidor para se outorgar a si mesmo direitos de senhor absoluto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Daqui aos desmandos, às arbitrariedades, às prepotências, vai um passo. E esse passo, com muita frequência, há quem o dê.

Por sua vez, o superior, por virtude do próprio sistema, vê a sua competência disciplinar limitada por razões de ordem humana até certo ponto compreensíveis.