Casas dos Pescadores e um ou outro organismo, em que por mero acuso os dirigentes suo mais esclarecidos, tem havido o firme propósito de amesquinhar materialmente uma classe absolutamente necessária, útil e altruísta.

Não devemos esquecer-nos de que há cuidados que se não pagam, por não terem preço!

Por que preço se deve cifrar o trabalho mental, a vigília e o incómodo resultante de, por exemplo, três ou mais visitas a doentes na mesma madrugada? Isto não é uma fantasia, tem acontecido a todos os médicos várias vezes ...

E quando estas chamadas suo para o hospital onde se presta serviço gratuito ou pouco menos que gratuito?

Sim, porque por esse País fora a assistência que nós prestamos nos hospitais é absolutamente gratuita ou quase.

Fala-se por vezes dos anseios da classe médica com um sorriso nem sempre de compreensão, quanto mais de compaixão, mas eu gostava de saber objectivamente de outros técnicos com graus universitários idênticos que ao bem comum dediquem tanta atenção, esforço e solicitude, a maior parte das vezes sem qualquer interesse material!

Deve, portanto, estabelecer-se a carreira médica e dar-se-lhe o relevo que merece, conforme o diploma do Governo consignava, na lei que vier a ser aprovada, pois o assunto foi demoradamente e sensatamente estudado com a seriedade que costuma ser timbre da classe médica.

E que culpa têm os mediras a mais do que nós todos no facto de haver pobres que não podem pagar a sua assistência?

Não será um peso que todos devemos suportar, pagando-se nos médicos e enfermeiros a prestação desses serviços técnicos condignamente?

Os engenheiros, arquitectos e mestres-de-obras que trabalham para os hospitais fazem-no gratuitamente?

Os funcionários administrativos com graus universitários do mesmo nível dos médicos ou mesmo sem qualquer grau académico fazem-no gratuitamente?

São perguntas que eu faço e cuja resposta deixo ao alto critério de justiça de VV. Exas.!

O pobre, quer se trate de assisti-lo clinicamente, dar-lhe de comer ou de vestir, deve constituir encargo de todos, e não apenas de uma classe ou de alguns!

Aos médicos, sujeitos a uma preparação universitária exaustiva, a estudos permanentes, teóricos e práticos, de actualização, a dispêndios materiais e até renúncias, deveria já ter-se-lhes dedicado atenções e carinhos especiais, não por serem mais nem menos do que quaisquer outros graus académicos, mas por serem diferentes! E nós bem temos provado que não somos exigentes nem gananciosos, pois uma porte, boa parte da assistência, ainda se faz à nossa custa. Pretendemos apenas que nos seja feita justiça ao nosso sacrifício, ao nosso labor e à nossa mais que provada utilidade.

Há médicos que ganham muito? Sem dúvida. Mas quantos são?

Em todo o País, duas ou três dúzias, no meio da insuficiência geral de proventos, esta é que é a verdade!

E noutros cursos não haverá muitos mais que ganhem muitíssimo?

Ao médico novo, a esse então apresenta-se-lhe um horizonte pesado, cheio de incertezas no presente e no futuro, depois de um curso de muito trabalho, dispendioso, e de uma vida de constante dedicação. Por isso a frequência das Faculdades de Medicina está, como todos sabemos, a diminuir!

No relatório sobre as carreiras médicas apresentado pela Ordem dos Médicos pode ler-se o seguinte:

Os vagares e hesitações com que se têm efectuado a reorganização da assistência e a extensão da previdência encobriram durante anos um dos grandes obstáculos à política da saúde. Só agora, por iniciativa dos médicos, começa a ser conhecido e a preocupar as entidades dirigentes. Até à data, apenas a Ordem dos Médicos e um ou outro espírito arguto e atento aos acontecimentos previram as consequências dos programas que cuidavam das estruturas jurídicas e materiais, sem olhar preocupadamente para os seus principais executores. Se havia tantos médicos!

O facto não passou desapercebido à Comissão da Câmara Corporativa que elaborou o parecer sobre a proposta de lei da assistência social em 1943, de que foi relator o Prof. Marcelo Caetano: «Por muito extraordinário que pareça - lê-se no substancioso documento -, a verdade é que em Portugal há poucos médicos para as necessidades de uma eficaz assistência na doença a todos os portugueses». Mais adiante volta a insistir no mesmo ponto: «... parecer, a primeira vista, pois, muito satisfatória a assistência médica em Portugal - e, todavia, como as realidades suo diferentes! Os médicos queixam-se de não ter que fazer e de não ganharem o suficiente, morre gente sem tratamento e o charlatanismo e o curandeirismo grassam em larga escala».

Se era evidente a falta de médicos para preencher as lacunas de então, o facto notabilizou-se nos anos seguintes, quando estava à vista o desinteresse dos jovens pela medicina. O número de novos diplomados mantém-se quase estacionário desde há vinte anos, mas ultimamente aparece um fenómeno mais grave: a diminuição da frequência do curso médico. À carência relativa sucede a carência absoluta. «As únicas escolas - afirma o Prof. Marcelo Caetano, reitor da Universidade de Lisboa - onde se registou diminuição de frequência em 1960 foram a Facilidade de Medicina e a Escola de Farmácia». E, todavia, não se pode de maneira nenhuma considerar saturado o meio social português, fora das grandes cidades, de médicos e farmacêuticos. O problema, pelo que respeita à medicina, transcende o Ministério da Educação Nacional. A manterem-se as perspectivas actuais, estamos perante um futuro sombrio, onde se afundará a obra de renovação material, já rea-