Mas, em qualquer caso, fica-se com a ideia da importância da questão no que respeita a Moçambique.

Do «Relatório sobre as Carreiras Médicas», publicado também pela Ordem dos Médicos, em 1961, respigo as seguintes palavras:

O número de novos diplomados mantém-se quase estacionário desde há vinte anos, mas ultimamente aparece um fenómeno mais grave: a diminuição da frequência do curso médico. À carência relativa sucede a carência absoluta. Às únicas escolas - afirma o Prof. Marcelo Caetano, reitor da Universidade de Lisboa - onde se registou diminuição de frequência em 1960 foram a Faculdade de Medicina e a Escola de Farmácia. E, todavia, não se pode de maneira nenhuma considerar suturado o meio social português, fora das grandes cidades, de médicos e farmacêuticos. O problema, pelo que respeita à medicina, transcende o Ministério da Educação Nacional.

Compreende-se que haja falta de médicos e até será de aceitar que haja cada vez mais falta. O curso é difícil, trabalhoso e caro. E o que espera o médico depois de concluída a sua. longa preparação? Situações, por vezes, de baixa remuneração, que não correspondem à sua posição nem ao dispêndio feito com a mia preparação profissional.

A diminuição da frequência das Faculdades de Medicina do País é um sintoma que deve preocupar também os populações ultramarinas, pelo reflexo que isso pode vir a ter no futuro na formação do corpo clínico das suas províncias. Isto leva-me mesmo a reflectir se não seria conveniente pensar-se a sério na criação do ensino médico em Angola e em Moçambique.

Ainda quanto a Moçambique, direi que também no caso dos serviços de saúde, como apontei quando me referi aos serviços de agricultura, pecuária e agrimensura, há necessidade urgente de que os quadros daqueles serviços sejam ampliados, de maneira a poderem dar inteira satisfação ou, pelo menos, de momento, melhor satisfação às necessidades sanitárias das suas massas populacionais.

Não esqueçamos que a saúde pública é um dos bens mais preciosos de qualquer país.

Sr. Presidente: não quero concluir estas minhas considerações sem mencionar um sério problema que aflige o comércio da província de Moçambique. Quero referir-me às grandes dificuldades que aquele comércio está encontrando presentemente para a obtenção dos boletins de importação respeitantes às mercadorias de que precisa para o exercício da sua actividade comercial.

Estas considerações vêm também a propósito das contas públicas que estamos apreciando, visto as dificuldades criadas ao comércio de Moçambique serem consequência do receio que existe naquela província de que o desequilíbrio da sua balança comercial possa criar problemas graves à sua balança de pagamentos.

E como o problema da balança de pagamentos é apreciado com elevado critério pelo ilustre r elator das contas públicas, seja-me permitida uma palavra- sobre o assunto, tanto mais que conheço as dificuldades que afligem a laboriosa classe comercial da minha província. Nunca o adjectivo teve tão alto significado como quando agora o utilizei para classificar essa classe, a cujo labor incansável Moçambique deve, de facto, muito do que tem sido feito no campo da sua ocupação económica e quase tudo o que foi feito na penetração do interior da província, efectuada por homens de coragem que se aventuraram, em épocas recuadas, na troca de artigos de comércio com os nativos.

Vozes: - Muito bem. muito bem!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Foram esses comerciantes, ou mesmo antigos soldados transformados em comerciantes, que plantaram muitas vezes, em fronteiras distantes da Pátria, as primeiras bandeiras de Portugal.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Há anos, conversando em Lourenço Marques com o eminente escritor e sociólogo Gilberto Freire, disse-me ele que no Brasil existe uma obra que estuda a vida e a influência exercida pelo pequeno comerciante do mato na formação daquele grande país.

Pois são estes comerciantes ou os seus descendentes, já agora vivendo nas grandes cidades de Moçambique, que me procuram ou me escrevem confiando-me as suas preocupações e as suas dificuldades, porque não conseguem, por falta de boletins de importação, obter as mercadorias de que necessitam para o exercício da sua actividade comercial.

Chegam-me de Moçambique ecos de desalento e desesperança, de preocupação e de desgosto, num momento em que todos precisamos de ter confiança, confiança em tudo, começando por nós próprios, paru podermos vencer as dificuldades que todos os dias procuram embaraçar-nos o passo.

E preciso proteger-se o comércio de Moçambique, em cujos ombros assenta, afinal, uma grande parte da vida económica da província. Se esse comércio não tiver mercadorias para vender, verá paralisado o seu movimento comercial; não ganhará com que fazer face às despesas das suas casas comerciais, pagar os ordenados dos seus empregados e as rendas dos seus estabelecimentos; não produzirá lucros de que o .Estado possa comparticipar - os impostos, tão necessários para que a província possa fazer foce às despesas do seu orçamento; não realizará reservas para investir em novas actividades, que darão trabalho a mais braços e pão a mais bocas de portugueses, E bom que se diga que a agricultura, a pecuária e a indústria de Moçambique têm sido obra de comerciantes, realizada com lucros ganhos nos seus estabelecimentos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Dificulta-se em Moçambique a importação de mercadorias, com vista a evitar a saída de divisas. Não se pode dizer, em abono da verdade, que o princípio não esteja certo, mas o que parece não estar certo é o rigor das medidas que se tomaram, tanto mais que a situação, embora recomende prudência, não aconselha precauções exageradas.