Mas esses problemas não são novos.

Ainda há pouco, num dos seus magníficos editoriais, que comunga do mesmo sentido de utilidade nacional que costuma distinguir os artigos em que são focados os grandes problemas deste País, o jornal O Século se lhe referiu, sob o título de «O artesanato não deve extinguir-se». E ao fazê-lo citava os estudos contidos no Boletim de Fomento de Exportação, uma publicação oficial de muita importância que, a meu ver, devia ter muito maior circulação, dado o seu amplo valor informativo.

Nessas publicações, com abundante autoridade, se desvenda o estado de desordenamento em que vive o nosso trabalho artesanal e a sua galopante depauperação.

Ali se demonstra cabalmente a degradação quantitativa e qualitativa dos produtos e se apontam as suas causas, focando-se as implicações sociais e económicas do fenómeno, sumariando-se, finalmente, o impressionante conjunto dos problemas para que se não tem olhado.

E confrange ver a grande soma de riqueza que já está perdida ou em grande risco de perder-se ... Na verdade, a acentuada degradação do trabalho artesanal é produto de muitas causas que se podiam ter atenuado se houvessem sido consideradas a tempo e horas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Mas isso não aconteceu.

Absorvidos pela natural evolução das técnicas e pela necessidade do desenvolvimento da grande industrialização com vista às exportações indispensáveis, os nossos economistas só têm tido olhos para as grandes iniciativas. Tudo o que não tenha uma dimensão de alto nível ou que não se possa enquadrar em determinados esquemas económicos não lhes tem concitado o interesse.

For isso se tem passado com tanta indiferença sobre o grande mundo de problemas do nosso artesanato, deixando-os abandonados às contingências da sua natural evolução.

Cumpria, porém, ter tido em conta que o trabalho artesanal representa um importante factor de incrementação da nossa riqueza.

Nós não estamos em inferioridade perante as outras nações, nem no que respeita ao génio criador nem aos produtos artesanais que podemos apresentar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As tradições da nossa arte popular não receiam o confronto com quaisquer outras.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A despeito dessas consoladoras certezas, as estatísticas demonstram, porém, que se não tem feito o racional aproveitamento de tantos e tão grandes valores.

O sentido tradicional da orientação do nosso artesanato ou já se perdeu ou está seriamente comprometido em muitas regiões, andando por aí à venda, como se acentua no referido Boletim do Fundo de Fomento de Exportação, muitos artigos rotulados de produtos regionais que têm tanto de incaracterístico como de mau gosto, nada representando ou espelhando da alma do povo ou da região.

Saídos de um falso artesanato, toda essa multidão de produtos apenas representa, isso sim, o abandono ostensivo dos velhos padrões, que as famílias mantinham inalterados para transmitirem ritualmente de geração em geração.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora, sendo o trabalho artesanal, como se disse, uma importantíssima fonte de riqueza nacional, urge aproveitá-lo convenientemente.

Numa época em que as exportações constituem uma das mais imperiosas necessidades de qualquer economia, nós não podemos desprezar o larguíssimo contributo que para as nossas exportações pode fornecer o nosso artesanato.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A par dos valiosos bordados da Madeira, que, segundo creio, são os nossos únicos artigos com verdadeira projecção no volume dessas exportações, podíamos robustecê-las proveitosamente com numerosos outros artigos saídos das boas oficinas de todo o império português. Cerâmicas, vidros, tecidos, produtos de caldeiraria, filigranas, miniaturas de madeira e palitos de flores, artefactos de cortiça e tantos, tantos outros que as honradas mãos dos artistas portugueses podem produzir, nos moldes clássicos de técnicas valiosíssimas, nas oficinas dos nossos meios rurais devem valorizar a nossa economia, traduzindo-se em apreciável fonte de divisas. Ponto é que se encare e consiga a ressurreição e dignificação do artesanato português. Mas não são apenas económicas as vantagens dessa ressurreição e dignificação.

Se os meios rurais puderem ver restaurada e valorizada a sua estrutura artesanal, a vida assumirá ali a expressão de aliciamento que tão comprometida anda agora por mercê das causas que todos nós conhecemos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É que a estabilização e o fortalecimento das economias locais serão um dos mais seguros antídotos contra o êxodo rural e, enfraquecido ele, poderá reestruturar-se a vida local em moldes que propiciem a sua dignificação e crescente desenvolvimento.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Às vantagens económicas de um amplo ressurgimento do nosso artesanato somam-se, assim, incalculáveis benefícios sociais e políticos da mais transcendente importância.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para conseguir esse ressurgimento, torna-se, porém, necessária uma política de fomento, que exige uma intensa colaboração entre muitos dos departamentos superiores do Estado, com as autarquias locais e com os restantes elementos da actividade artesanal, coadjuvada pela grande e pequena imprensa.

Terá de ser feito um completíssimo inventário de toda essa actividade, por forma a torná-la conhecida, não só na sua estrutura, como nos métodos de trabalho e nos produtos-padrões, e em todos os restantes elementos que sirvam para caracteriza-la e defini-la até aos mais pequenos pormenores e detalhes. Esse inven-